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Foto do escritorEquipe Malamanhadas

As Mulheres que seguram as próprias mãos

   

Os graves e as greves de som.


    Todo mundo conhece uma mulher que viveu.

    Todo mundo conhece uma mulher que vive e pulsa, e pulsa, e pulsa.

    E todo mundo conhece e/ou foi uma mulher que morreu.

   Toda mulher morreu pelo menos uma vez. Morreu no pique, morreu no pingo do sol, morreu de fome, morreu de sono, morreu de choro, morreu de vergonha, morreu de trabalhar o dia inteiro. Toda mulher morre a todo minuto. Toda mulher morre um pouco. Toda mulher morre junto da outra. Toda mulher morre só. Toda mulher morre, e só.

    Toda mulher morreu pelo menos uma vez. Morreu na palavra, morreu no olhar, morreu de tédio. Morreu de ódio, morreu por não saber sair do lugar. Toda mulher morre uma vez todo dia. Morre na voz, morre na escuta, morre no não, na mentira, na bala, na vala, no “cala!”’. Por muitas vezes morre só para testar a teimosia de gestar a si mesma outra vez... Toda mulher morre uma vez a toda hora. E Toda mulher teimou e renasceu pelo menos uma vez.

    E Malouvidas, mulheres das vozes roucas, gargantas doloridas, puídas, sustentam em si mesmas a irreverência de um silêncio solto no meio das notas. Sustentam e arriscam a saúde do próprio pescoço, e com suas vozes graves e agudas fiquem nas tardes quentes a cantar em português e espanhol. Cantam a potência e premência de uma sujeita silenci-a no meio de palavras cantadas.

     E boa é a voz que sabe calar no aguardo do retorno do som. E potente é a voz que sabe e teima em ouvir a si mesma, devaneando a brincar com os vazios que anunciam os graves e as greves de som outra vez.

     Não se pode pegar probabilidade na palma, tocar com os indicadores e polegares uma a uma observando de perto, não se pode. Pode-se ainda banhar de arruda e manjericão, mas não ainda ver direito as chances, descrever as variáveis de vida e morte e descontar nelas. Não há ainda notícias de bolas de cristal, com manual místico de ver no olho do tempo. Não há ainda um manual que vá além do peito, da garganta e da própria testa.

    Por vezes não há quase nada o que fazer exceto estar aqui e ser companhia de si mesma. Hemos de segurar nossas mãos.

    Mulheres segurantes das próprias mãos conhecem as propriedades dos punhos. Mulheres caminhantes das próprias horas conhecem com propriedade os buracos das calçadas. Mulheres enviantes de cartas a si mesmas não temem se surpreender com as impropriedades dos próprios horrores.

     Mulheres pairantes de si e em si mesmas conhecem o peso do próprio corpo sob o chão.

    Note que há algo de violentamente corajoso, bizarro, assustadoramente desconcertante naquela mulher ali. Na mulher que sou e nesta mulher que permite que eu a encare. Esta que paira em si mesma e deixa viver a garganta. Esta que paira em si mesma. Como se atreve? Audácia. Simplesmente ousa pairar.

     Paira.

     Toda mulher que já morreu mais de uma vez viveu e vive infinitas. Toda mulher vive mais do que pensa, mais do que pesa. Toda mulher está presente em algum lugar do espaço e do tempo. Toda mulher ousou ficar.


    Por todas as mulheres com quem somos, as que fomos e que as que ousamos ser e que ousaremos nos tornar. E por todas as que ainda são conosco de todas as outras formas inomináveis. Presentes.


Texto escrito por Deborah Falconete.

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