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EPISÓDIO #38 - Lula eleito! Vamos às críticas?


A imagem contém um desenho de uma pessoa de terno azul claro, com uma lula na cabeça e o punho levantado. O desenho está em um fundo branco, como se fosse um papel um pouco amaçado. Há algumas estrelinhas vermelhas compondo o fundo da imagem. No canto superior direito tem a seguinte frase: "Episódio #38 Lula Eleito! Vamos às críticas?" No canto inferior direito tem o nome do malamanhadas, desenhado e fundido com um desenho de fones de ouvido.
Capa do Episódio #38 | A imagem contém texto alternativo


Confira o roteiro na íntegra:


[EFEITO DE TV COM DEFEITO]


ALDENORA: Oi! Você que está sintonizando aqui no nosso primeiro encontro após as eleições presidenciais, pelo título já deve saber o assunto que a gente vai tratar aqui neste episódio.


JHOÁRIA: Depois de comemorarmos a vitória nas urnas, viemos aqui analisar criticamente o plano de governo do presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva.


ALDENORA: A ideia é entender quais as propostas para os próximos quatros anos de governo e discutir as lacunas, o que pode ser melhorado e comentar sobre as primeiras ações do governo de transição. Além de discutir as formas de nos mantermos atentas na luta pela reivindicação de direitos.


JHOÁRIA: E, por isso, esse episódio já vem com um aviso: estamos comemorando a vitória de um governo de esquerda, mas também nos manteremos atentas durante todo esse caminho para que nossos direitos sejam garantidos!


[EFEITO DE TV COM DEFEITO]


[JINGLE DA CAMPANHA DE LULA] Vem de dentro, eu sei, de novo um sentimento. Por muito tempo esperei e o coração segue pulsando, sem medo de ser feliz.


ALDENORA: Se você nasceu no Nordeste na década de 90, viveu a adolescência no Governo Lula e acompanhou agora na fase adulta o resultado das urnas anunciando o Lula novamente como presidente do Brasil, imagino que seja difícil conter a emoção quando o jingle da campanha toca, né?


[JINGLE DA CAMPANHA DE LULA] Há uma voz que tentaram calar, mas essa estrela não vai se apagar. E o brilho ilumina a esperança. Com fé no futuro melhor eu vou. Sem medo de ser feliz.


[ÁUDIO DA GLOBO] Bonner: A nossa câmera ali tentando registrar isso. Aí está! Às 19 horas e 57 minutos, Renata Lo Prete chamando minha atenção para este momento. Você está vendo na tela: A Justiça Eleitoral acaba de confirmar a vitória de Luís Inácio Lula da Silva, do PT, na disputa da Presidência da República. A partir de primeiro de janeiro de 2023, Lula retorna ao Palácio do Planalto para um mandato de quatro anos. Será o terceiro mandato dele. Vence, portanto, a eleição, o candidato Luís Inacio Lula da Silva, Renata.


JHOÁRIA: Pra muita gente, essa foi a primeira oportunidade de poder escolher o Lula como presidente do Brasil. Isso é algo que comove milhares de nordestinos que sentem pelo Lula, uma verdadeira paixão e admiração que faz com que ele não seja apenas um político, mas um amigo da família mesmo.


ALDENORA: Além disso, votar no Lula, considerando o contexto em que estamos, tem uma carga emotiva que se mistura ao nosso papel de lutar contra o avanço de governos fascistas, como o de Bolsonaro, que com quatro anos no poder e uma pandemia no meio, retirou muitos de nossos direitos e retrocedeu em importantes políticas públicas que já tínhamos garantidas.


JHOÁRIA: Te ouvir falando sobre essa relação mais aproximada com o Lula, me faz pensar o quanto que tudo isso não se resume apenas a um voto, a eleger mais um governante e pronto. Muita coisa esteve envolvida nessa eleição presidencial e o resultado renovou as nossas esperanças. A gente está feliz que conseguimos vencer o Bolsonaro e a extrema direita nas urnas, o que nos permite sonhar e acreditar em um futuro que, pelo menos, vai garantir o mínimo, que são os nossos direitos sejam mantidos. E o que vier além disso, vai ser sim bem recebido.


ALDENORA: Mas também, a gente continua com os pés no chão. Porque a luta ela não terminou com o Lula sendo eleito o novo presidente do Brasil. Aliás, a luta só começou, né? O que vier além da manutenção dos direitos, está dentro dessa luta que a gente vai travar juntas. E são esses próximos quatro anos de luta, esperança e garantia de melhores condições de vida que nos motivou a produzir este episódio.


JHOÁRIA: A gente convidou especialistas para analisarmos o programa do governo do presidente Lula a partir de eixos que acreditamos serem essenciais para um governo de esquerda. E também para entendermos como vai ser o cenário nos próximos quatro anos. Eu sou Jhoária Carneiro.


ALDENORA: E eu sou Aldenora Cavalcante. Estamos começando agora o Malamanhadas Podcast.


[VINHETA DO MALAMANHADAS]


[SPOT CAMPANHA DIA DE DOAR] O Malamanhadas firmou uma parceria com o Fundo Brasil, uma fundação independente, sem fins lucrativos, que apoia grupos de defesa e promoção dos direitos humanos. No dia 29 de novembro é celebrado o #DiaDeDoar, com a proposta de promover a generosidade, mobilizar a sociedade para um país mais solidário e conectar pessoas a instituições que fazem trabalhos nesse campo. O #DiaDeDoar é importante para as causas que o Fundo Brasil apoia e que nós do Malamanhadas também acreditamos. São elas: o direito das mulheres, dos povos indígenas, da população LGBTQIA+, além do enfrentamento ao racismo e aos direitos socioambientais e das crianças e adolescentes. O Fundo Brasil é uma das instituições que participa desse movimento. Entre no site: www.fundobrasil.org.br e saiba como participar dessa corrente.


JHOÁRIA: O Lula teve, em números absolutos, a maior votação da história do Brasil. Foram sessenta milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, novecentos e noventa e nove votos. O que representa 50,90% dos votos válidos. Ele superou o próprio recorde que aconteceu em 2006. Além disso, o petista é o primeiro a ser eleito presidente pelo voto direto três vezes.


ALDENORA: E, mais uma vez, o nosso Nordeste levou o resultado dessas eleições nas costas, né? A gente brinca com isso, dizendo que nordestino é que sabe votar, mas isso é realmente verdade. Aqui na nossa região, segundo levantamento feito pela Agência Tatu, o Lula venceu no segundo turno em 98,9% dos municípios do Nordeste. Ao todo, foram 22,5 milhões de votos nos nove estados. Os votos dos nordestinos para o Lula foram tão expressivos, que em um dos discursos feitos pelo presidente eleito, no dia do resultado do segundo turno, Lula agradeceu aos moradores da nossa região.


[ÁUDIO DO PORTAL METRÓPOLES] Eu acho que hoje é dia de nós que moramos em São Paulo agradecer a um povo extraordinário, um povo que foi ofendido pelo meu aniversário, que é o nosso querido povo nordestino que nos consagrou com essa vitória extraordinária. Eu quero agradecer aos duzentos e quinze milhões de habitantes, mas o povo do Nordeste merece uma palavra especial porque aquele povo foi muito porreta no primeiro, no segundo, na eleição da Dilma, na minha primeira eleição e vai ser muito porreta para ajudar a gente a governar esse país.


JHOÁRIA: Nessa contagem, o Piauí merece um destaque maior. O nosso estado teve o melhor desempenho do país. Aqui, o Lula venceu com 76,84% dos votos válidos e colocou oito cidades piauienses entre as dez cidades brasileiras que mais votaram no Lula no segundo turno das eleições.


ALDENORA: Eu vou citar as cidades piauienses no topo. São elas: Guaribas em primeiro, Campinas do Piauí, em segundo, Bonfim do Piauí em terceiro, Fartura do Piauí em quarto, Capitão Gervásio Oliveira em quinto, São Braz do Piauí em sexto. Em seguida, temos Terra Nova e Carnaubeira da Penha em Pernambuco em sétimo e oitavo, respectivamente. Depois vem Isaías Coelho em nono e Curral Novo do Piauí em décimo. O Piauí levou a sério a eleição do Lula, né?


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


ALDENORA: Para falar do futuro que vai começar em 2023, vamos voltar um pouquinho no tempo e falar do que foi conquistado antes. Os governos petistas, que englobam o primeiro de Lula que aconteceu de 2003 a 2010 e o de Dilma Rousseff, de 2011 a 2016, quando ela saiu com o golpe, foi uma época em que houve um aumento da escolaridade dos brasileiros e a redução das desigualdades sociais e econômicas, bem como a redução da fome e da pobreza no país.


JHOÁRIA: Tivemos também a criação de programas que ampliaram o acesso às universidades, como o Prouni e a Lei de Cotas que garante um maior acesso de pessoas pretas ao ensino superior público. Além de outras medidas importantes como a criação do Estatuto do Idoso, da Lei Maria da Penha, do Estatuto da Igualdade Racial e da PEC das Domésticas.


ALDENORA: Tudo isso nos faz acreditar que os próximos quatros anos vão proporcionar políticas públicas efetivas para a população mais vulnerável, mulheres, pessoas negras, LGBTQIAP+, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, além de uma melhoria na economia. Mas será que é isso, de fato, que encontramos no programa de governo do Lula e que podemos esperar que aconteça? Vamos começar a analisar o plano de governo?


JHOÁRIA: Sim, vamos! As propostas do candidato eleito para presidência da república podem ser encontradas em três principais lugares: no plano de governo protocolado no Tribunal Superior Eleitoral; no site do Lula e na Carta para o Brasil do Amanhã, um documento lançado poucos dias antes do segundo turno. Vamos colocar o link de acesso a esses documentos nas referências deste episódio.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JHOÁRIA: As propostas do Lula para o governo presidencial que começa em primeiro de janeiro de 2023 voltam os olhares para o desenvolvimento social e garantia de direitos, desenvolvimento econômico e sustentabilidade socioambiental e climática, defesa da democracia e reconstrução do estado e da soberania. Os eixos que aparecem em destaque, trazem propostas para as áreas de economia, educação, meio ambiente, cultura, combate às desigualdades sociais, segurança pública e saúde.


ALDENORA: O plano se compromete com “resgatar a esperança na reconstrução e na transformação de um país devastado por um processo de destruição”. O objetivo também é, segundo o documento, superar a crise que o país afundou nestes quatro anos de governo Bolsonaro.


JHOÁRIA: Nós chamamos a cientista política e professora da Universidade Federal do Piauí, Bárbara Johas, para avaliar o programa com a gente. Vamos ouvir?


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


BÁRBARA JOHAS: Oi, sou Bárbara Johas, mulher branca, os traços do meu rosto, eu tenho o rosto redondo, com olhos azuis, cabelos curtos. Em gera, eu gosto muito de usar brincos e colares de artesanato, de crochê ou de madeira. Quase sempre, estou trajando algum tipo de vestido com flores ou com tema geométrico. Sou uma mulher também de estatura média. Bom, eu acho que essa é a forma como eu me descreveria. Bom, o plano de governo do candidato Lula e suas propostas elas tentam assim abarcar um grande número de questões e também tentam de alguma maneira dialogar com diferentes segmentos sociais, né? Ou seja, existe toda uma preocupação com a dimensão dos direitos sociais e com as camadas mais pobres da população, mas também é um plano de governo que procura demonstrar para o cidadão da classe média, as propostas que o candidato tem para de alguma maneira avançar na crise econômica do ponto de vista de enfrentar essa crise e sair dessa crise. Mas, em grande medida, continua, né, mantém sua marca, do ponto de vista da sua filiação partidária e sua ideologia política que é um conjunto bastante vasto de propostas e de programas relacionados e voltados para os trabalhadores, para as mulheres, para as pessoas negras para as classes com maior vulnerabilidade social. Então, isso é bastante importante do ponto de vista das condições socioeconômicas que nós encontramos no país. Então, é um plano de governo bastante sensível e bastante aberto para as questões sociais que traz novamente uma discussão, uma dimensão muito importante, mas que tem sido tratado de forma muito superficial pelo atual governo que são as questões relacionadas, por exemplo, a questão dos direitos sexuais, das questões relacionadas à identidade de gênero, do racismo.


JHOÁRIA: A Bárbara também fala um pouco sobre o que podemos esperar para os próximos quatro anos.


BÁRBARA JOHAS: O Lula vai pegar um país com dificuldades econômicas gigantescas, com desinvestimento muito grande em determinadas áreas, com os resultados negativos de uma pandemia. Então, pega o país numa situação muito dramática. Nós temos também uma incerteza do ponto de vista - nós e isso claro se reflete no que Lula vai encontrar do ponto de vista da saúde financeira e fiscal do país. É essa questão do orçamento secreto, dos investimentos que foram feitos durante a campanha eleitoral. Então, tudo isso a gente não tem acesso e o próprio Lula não tem acesso, então não sabe de fato o que vai encontrar do ponto de vista da economia do país, da possibilidade do país enfrentar esses problemas econômicos tão graves. Então, o Lula vai encontrar muitas questões que precisam de atenção urgente, né? Então, nesse sentido penso que principalmente seu primeiro ano de governo, vai ser um ano difícil, mas também bastante desafiador porque precisa retomar o crescimento econômico, ao mesmo tempo precisa investir massivamente em políticas sociais, enfrentar a fome, enfrentar a pobreza, então não são coisas simples de serem feitas. E aí nesse sentido uma capacidade, vai ser necessário a Lula uma capacidade de articulação muito grande com os governadores e o fato de nós termos vários governadores alinhados à perspectiva do atual presidente, do Jair Bolsonaro, então de uma linhagem ideológica dentro da política que não conversa ou não se aproxima muito das propostas e da ideologia política do partido do Lula, vai ser necessário então uma capacidade de diplomacia articulação bastante grande do presidente porque isso vai ser fundamental para pensar as possibilidades de avanço econômico do país, de enfrentamento da crise.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JHOÁRIA: Como a cientista política Bárbara Johas falou, o documento de fato sustenta um discurso de compromisso com diversas camadas da população e o combate às desigualdades sociais. Após vivermos um governo de negação de direitos e tantos retrocessos, ter um presidente que olhe para isso, dá um alívio.


BÁRBARA JOHAS: É um plano de governo que tem como proposta retomar discussões que foram abandonadas e garantir direitos que já haviam sido adquiridos e que foram perdidos ou estão atualmente só garantidos no papel. Então retomar esses direitos que já vinham sendo debatidos e garantidos em outros governos e também avançar em algum sentido na inclusão de novas pautas. Então, do meu ponto de vista é uma proposta bastante aberta, bastante interessante. Claro, sempre tem lacunas porque é um plano de governo incapaz de dar conta de toda a diversidade e multiplicidade de demandas e sujeitos dentro dessas próprias categorias, né? Mas de alguma maneira é um plano de governo que se propõe a pensar a questão e principalmente a reinvestir nessas áreas que foram áreas que sofreram cortes profundos, né? Então esse é um aspecto muito importante.


JHOÁRIA: Mas em termos de propostas, o programa apresentado pela chapa Lula e Alckmin para o TSE, acaba sendo mais amplo em quase todos os eixos. O documento fala, por exemplo, em investir em educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento da educação básica, da creche à pós-graduação.


ALDENORA: Esses pontos atingem camadas mais vulneráveis da população. Nós vamos nos aprofundar no eixo da educação mais na frente. Aqui, nesse momento, o que queremos destacar é que o plano não traz de forma objetiva como tudo isso vai ser implementado. Então, do nosso ponto de vista, é preciso que estejamos atentas a esses tópicos que trazem comprometimento com pautas relevantes, mas que ainda são carregados de lacunas.


JHOÁRIA: Outro momento em que identificamos essas lacunas, é quando o documento afirma que: “O Brasil não será o país que queremos enquanto mulheres continuarem a ser discriminadas e submetidas à violência pelo fato de serem mulheres”. Esse tópico, ao falar sobre a necessidade de assegurar a proteção integral da dignidade humana das mulheres, enfatiza a importância de se desenvolver políticas públicas de prevenção contra a violência para esse grupo e a construção que caminhe à equidade de direitos. Mas, ao falar disso, ele não traz uma proposta consistente.


ALDENORA: Em seguida, o plano até cita que vai investir em programas para proteger vítimas e assegurar que não haja impunidade em situações de agressões e feminicídios. Além da pretensão em investir em políticas de saúde integral para que as mulheres tenham acesso preventivo. Também devemos nos manter atentas a essas propostas.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JHOÁRIA: Quando se fala em população negra, as propostas também possuem lacunas. Ao destacar, por exemplo, a implementação de um amplo conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural, o documento apenas cita que será construído políticas públicas que combatam e revertam a política atual de genocídio e a perseguição à juventude negra, com o superencarceramento, e que combatam a violência policial contra as mulheres negras, a juventude negra e os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro.


Aldenora: Ao voltar os olhos as pessoas com deficiência, o programa destaca a necessidade de assegurar: “ às pessoas com deficiência e suas famílias o acesso à saúde, à educação, à cultura e ao esporte, e a inserção no mundo do trabalho”. Assim, ele se compromete a trabalhar com a comunicação acessível e inclusiva, investir em pesquisa e inovação e assegurar às pessoas com deficiência o acesso a tecnologias assistivas. Mas não fala como vai ser implementado na prática.


JHOÁRIA: A gente volta a dizer que, na nossa avaliação, ter essas propostas dentro de um plano de governo, é um avanço importante, mas que precisamos nos manter atentas para acompanhar de fato a criação de programas que estejam comprometidos com essas propostas que ainda possuem lacunas dentro do plano de governo do Lula. E também ficarmos atentas às equipes que vão compor essas pastas, se são pessoas coerentes e que vão de fato se comprometer com as propostas.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JHOÁRIA: No plano, a gente também observa a quantidade de vezes que alguns grupos aparecem. As mulheres, por exemplo, são citadas nove vezes em tópicos voltados ao combate à violência, equidade de gênero e prevenção de doenças. Enquanto que pessoas negras são citadas sete vezes, em tópicos que tratam sobre o combate à violência desse grupo, e a criação de políticas públicas de promoção da igualdade racial. Já o público LGBTQIAP+ aparece apenas duas vezes, no mesmo tópico de violência e em um segundo que trata de políticas que garantam os direitos, o combate à discriminação e o respeito. O que nos faz pensar o lugar em que esses grupos são inseridos dentro dos governos.


ALDENORA: A gente traz essas lacunas aqui, justamente para que possamos olhar com atenção para o que o governo que ajudamos a eleger e vibramos, felizes, quando eleito, governe também para esses grupos. Quem nos ajuda a refletir sobre essas lacunas, é a Mariana Soares, professora da rede básica de ensino, militante do RUA juventude anticapitalista e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). A Mariana foi co-candidata em uma candidatura coletiva para deputada federal no Piauí nas eleições de 2022, deste ano. Vamos ouvir?


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


MARIANA SOARES: Olá, sou Mariana, sou uma mulher de pele negra, tenho um cabelo curto e ondulado. Não uso óculos, estou nesse momento com uma blusa preta em um fundo branco. A gente precisa entender que o plano tem falhas, o plano tem lacunas que precisam ser preenchidas, mas que com o Lula no poder é muito mais fácil que os movimentos populares, inclusive tenham suas vozes ouvidas para que as políticas públicas, sejam feitas para essas populações Então a gente tem que pontuar essas lacunas que existem no governo de Lula, mas também reafirmar a importância de apoiá-lo e estar construindo sua campanha para que todas as pessoas que sabem que Bolsonaro o as odeiam possam estar lá votando no Lula e lutando dentro de seu governo para que as políticas públicas que tratem sobre as nossas vidas sejam alcançadas e sejam realmente feitas e que tenham investimento pra isso, inclusive né.


Aldenora: Durante a campanha, diversos grupos políticos e movimentos sociais se uniram para eleger o Lula contra o avanço do facismo e o ataque de direitos. E isso aconteceu ao longo de todo esse processo eleitoral, inclusive durante a elaboração do plano de governo que estamos analisando aqui neste episódio.


MARIANA SOARES: Então, o plano de governo de Lula foi feito por assim dizer por muitas mãos, pela base petista, pelos movimentos sociais que constroem o PT e também foi feito através de um documento do PSOL, Partido Socialismo e Liberdade, que enviou 12 eixos e pediu que alguns fossem colocados, absolvidos por assim dizer, para o plano de governo de Lula. E esse plano de governo ele é, como eu posso dizer, o resultado na verdade de todas essas coisas que a gente tem sentido que falta nos últimos anos. Ele é uma “reciclagem” por assim dizer de propostas antigas do Lula, propostas muito boas que deram certo. Então, esse plano de governo, ele é um plano de governo que fala sobre as classes populares né, ele fala sobre as classes populares, sobre direito de morar, direito de comer, direito de ter água.


ALDENORA: Essa mistura de propostas e ideais, ainda que alimentem nossas esperanças por um futuro melhor, marcado por menos desigualdades, acaba falhando em alguns aspectos, como a Mariana bem pontua aqui.


MARIANA SOARES: Só que aí é isso, a gente esbarra também nessa deficiência, nessa deficiência de não ter eixo que fale sobre as ditas minorias, que são as mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTs, as pessoas com deficiência e isso inclusive é um problema. Mas, as pessoas que estão dentro dessas minorias estão convencidas em apoiar Lula, justamente porque entendem que dentro do seu governo é muito mais fácil construir e pensar políticas públicas para essas populações do que fora dele. Porque nos últimos quatro anos de governo Bolsonaro, essas pessoas, elas só tiveram seus direitos tirados e é justamente por isso que essas pessoas elas fazem todas as críticas ao plano de governo, a figura de Lula também mas elas entendem que ele é o único que consegue derrotar Bolsonaro e que construir sua campanha é a única saída pra que a gente possa ter realmente algum direito e que as nossas vidas sejam menos ameaçadas do que elas são hoje. Porque é isso todos os dias a gente tem notícias de que minorias são agredidas, que minorias são mortas e nesses últimos dois meses de eleição isso aumentou ainda mais.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JHOÁRIA: O programa de governo do Lula não se resume a lacunas. De propostas mais consistentes, nós conseguimos destacar as seguintes: a proposição de uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social a todas as formas de ocupação; a reconstrução e o fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e do Sistema Único de Saúde (SUS), além da retomada do Programa Mais Médicos e Farmácia Popular; a ampliação e renovação do programa Bolsa Família; na área da cultura, o plano cita a implantação do Sistema Nacional de Cultura; o esporte, o fortalecimento do Sistema Nacional de Esportes.


ALDENORA: No site, de forma mais objetiva, as propostas levantadas, são: O Imposto de renda zero, que trata da isenção do imposto de renda na faixa até cinco mil reais e desconto para a classe média; O Bolsa Família de seiscentos reais garantido e um acréscimo de cento e cinquenta reais por criança de até seis anos; A retomada do programa Minha casa, Minha vida; O programa Mais Saúde Brasil para levar atendimento médico para as famílias brasileiras; A retomada do Ministério da Mulher e a criação da Rede Casa da Mulher Brasileira, com delegacia da mulher; Ministério Público; atendimento psicológico e abrigo para mulheres em situação de vulnerabilidade, além de promover a reinserção da mulher no mercado de trabalho.


JHOÁRIA: Tem também o programa Desenrola Brasil, voltado para negociação das dívidas; a retomada do Ministério da Cultura; a ampliação de creches e ensino em tempo integral e do acesso de jovens ao curso superior, com o fortalecimento do ENEM, PROUNI e FIES.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


ALDENORA: Na Carta para o Amanhã, documento lançado pela chapa Lula e Alckmin dias antes do segundo turno das eleições presidenciais, temos treze pontos voltados ao desenvolvimento do Brasil. A carta é uma nova versão da Carta ao Povo Brasileiro lançada dez anos atrás, em 2002, quando Lula estava disputando a eleição que elegeu o petista para o primeiro mandato como presidente do Brasil.


JHOÁRIA: Com nove páginas, a Carta Para o Amanhã é um documento mais objetivo do que o plano de governo enviado pela chapa para o TSE e destaca as principais propostas de Lula, que já falamos alguns minutos atrás. Delas, destacamos: a criação do Ministério dos Povos Originários, a recriação dos três Ministérios: da Cultura, da Mulher e da Igualdade Racial. A recuperação do Programa Viver Sem Limites, com destaque para o desenvolvimento e acesso às tecnologias assistivas para pessoas com deficiência.


ALDENORA: Também merece destaque a proposta de revogação de medidas contrárias às populações indígenas e povos originários. Na área da educação, o apoio na construção de creches. E na área de saúde, o investimento no atendimento integral à Saúde da Mulher.


JHOÁRIA: Mas, novamente, nós destacamos aqui que em relação às mulheres negras, pessoas LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência, as propostas aparecem ainda de forma pouco satisfatória. O enfrentamento, por exemplo, das discriminações contra esses grupos, está no tópico “Direitos Humanos e Cidadania” apenas como um comprometimento com o enfrentamento do machismo, capacitismo, racismo e LGBTfobia. Pontos, portanto, que merecem mais atenção.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JHOÁRIA: Depois de analisar de forma mais geral o programa de governo da chapa Lula e Alckmin, agora nós vamos aprofundar em eixos mais específicos que já comentamos um pouco, né?


ALDENORA: Mas eles merecem destaque porque dialogam diretamente com os temas que debatemos aqui no Malamanhadas. Um deles é a educação. Para falar sobre como esse tema aparece nas propostas do presidente eleito, conversamos com Lucineide Barros, educadora popular e professora de pedagogia da Universidade Estadual do Piauí. Vamos ouvir?


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


LUCINEIDE BARROS: Olá, eu sou Lucineide Barros sou mulher, negra, tenho 1,50 de altura, uso óculos, meus cabelos são curtos e crespos e tenho 53 anos. Então, de modo específico para a educação, o Lula coloca no programa propostas muito importantes que são na verdade expressão da defesa que a sociedade brasileira tem feito ao longo do tempo, como a questão da alfabetização com a universalização da educação infantil, do Ensino Fundamental, com ensino profissionalizante integrado para que se possa garantir condições de acesso e garantir que os níveis de escolarização no Brasil se elevem porque nós temos ainda níveis muito baixos.


ALDENORA: Essas propostas citadas pela professora Lucineide, algumas já falamos aqui. Mas não custa nada destacar novamente. São elas: a construção de creches, a implantação do ensino em tempo integral com bolsa-estudante para quem completar o Ensino Médio e o investimento em mais universidades, a partir de programas que já conhecemos, como o ENEM, o FIES e o PROUNI.


LUCINEIDE BARROS: Há também proposta de correção de fluxo que é muito importante num contexto em que nós ainda temos níveis elevados de abandono escolar, de repetência escolar e que contribuem para segurar as taxas de analfabetismo clássico e funcional elevadas. Há também propostas em relação às políticas de ação afirmativas, que um país como o Brasil marcado pelo neocolonialismo, pelo colonialismo e pelo neocolonialismo, precisa investir fortemente em políticas de ação afirmativa como as políticas de cotas de cotas raciais e as políticas de igualdade racial. Mas também de igualdade de gênero, de combate a lgbtfobia.


ALDENORA: Para a professora Lucineide, atualmente as políticas de ação afirmativa vem se expressando especialmente através da Lei de Cotas. Sobre ela, o Lula se compromete em estender as cotas para a pós-graduação, justamente para garantir o acesso amplo às universidades. Mas, a pesquisadora afirma que somente isso, não é o suficiente.


LUCINEIDE BARROS: Só que nós temos visto que garantir o acesso não é tudo. É necessário que junto com o acesso, se possa garantir as condições de permanência, daí a necessidade de termos assistência estudantil tanto no ensino superior como na educação básica. No ensino superior a assistência estudantil pressupõe uma série de itens a serem providos em termos de políticas como a questão da alimentação escolar, como a questão da moradia, como a questão da condição de participação na pesquisa, na extensão, estágios remunerados.


ALDENORA: E tudo isso nos leva a pensar nos desafios que serão enfrentados por Lula para tentar garantir esses direitos à população mais vulnerável no campo da educação. E, sobre isso, vamos trazer uma última fala da Lucineide Barros.


LUCINEIDE BARROS: Eu considero que dentre os desafios diversos que serão enfrentados pelo governo Lula está o de garantir a ampliação dos investimentos públicos para a educação e isso tem relação direta com a política econômica que vem sendo praticada que é uma política fortemente restritiva, que flerta muito fortemente com a redução de impostos e nós temos os impostos como meios principais para financiar o Estado, para pagar as despesas do estado com políticas sociais e num país como o Brasil com fortes desigualdades, como eu já mencionei, a gente precisa ter Estado forte a gente precisa ter Estado realizando políticas públicas para que as pessoas possam ter condições de viver.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


ALDENORA: Uma outra área que achamos que vale destaque, é a área da economia que tanto foi prejudicada durante o governo de Bolsonaro e que atingiu a vida de milhares de brasileiros, né? O aumento do preço da alimentação e dos combustíveis são alguns dos exemplos.


JHOÁRIA: Para tentar frear esse trem desgovernado da economia, o Lula traz no plano de governo, propostas como a revogação da lei de teto de gastos; a construção de uma nova legislação trabalhista que assegure salários dignos, a competitividade e os investimentos das empresas; a criação do Empreende Brasil, que tem como objetivo facilitar o acesso ao crédito para micro e pequenas empresas.


Aldenora: Temos também o programa Imposto Zero para quem ganha até R$ 5 mil, que será acompanhado de uma reforma tributária, como a gente falou aqui já. E o Desenrola Brasil, programa voltado para negociação das dívidas das famílias que recebem até três salários mínimos, para limpar o nome no SPC e SERASA e reaquecer a economia.


JHOÁRIA: Para analisar essas propostas e as lacunas existentes no tópico de economia do programa do presidente Lula, a gente chamou a Kellen Brito, economista e professora da Universidade Federal do Piauí.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


KELLEN BRITO: Oi, meu nome é Kellen, eu sou professora da Universidade Federal do Piauí, campus ministro Petrônio Portela em Teresina, sou uma mulher de trinta e seis anos, estatura mediana, branca, de olhos e cabelos pretos e cabelos naturais cacheados na altura do ombro. Uso o óculos na maior parte do tempo com uma armaçãozinha que é dourada com preta. O que primeiro a gente pode destacar sobre as propostas do presidente eleito, Lula, é o retorno às prioridades macroeconômicas, de crescimento e investimento que são prioritárias, sempre foram prioritárias nos governos anteriores. Então acredito que realmente não seria diferente. Outras propostas são propostas muito similares às que tivemos na eleição de 2002 e sua entrada em 2003, que foi essa a prioridade também do combate à fome e a inseguranças alimentares da população, que retomamos em participar, infelizmente, do mapa da fome da ONU.


ALDENORA: No papel, as propostas aparecem de forma objetiva. Mas os desafios para implementar essas ideias, também são imensos na área da economia.


KELLEN BRITO: O que a gente pode destacar, de fato o governo, ele vai ter algumas dificuldades de implementar algumas de suas políticas de investimento e de gastos públicos, visando a melhoria da condição de uma parcela da população que está de fato bem prejudicada por conta das crises constantes, crises econômicas constantes, inflação, no aumento de preços em produtos que que não necessariamente precisariam estar aumentando, como por exemplo, o preço dos combustíveis né através de uma política da Petrobrás de preços dolarizados, mas primeiro o combate seria da emenda constitucional 95, que a gente chama de teto dos gastos. Esse teto dos gastos, ele tem que cair para que o governo consiga de fato implementar as políticas que estão sendo propostas e o outro ponto é o retorno de uma política de preços de combustíveis interna e não dolarizada, de forma a controlar os preços dos combustíveis e, com isso, também controlar vários preços de produtos que dependem dos combustíveis. Além da própria inflação, o combustível tem um peso considerável. Sendo assim, eu acho que sim, as medidas, elas são possíveis caso o governo consiga derrubar a emenda constitucional 95, que essa do teto dos gastos, pra que o investimento ele possa ser feito com bases governamentais, que o governo ele consiga de fato produzir a sua parcela no PIB, né? No produto interno bruto que um dos componentes do produto interno bruto é o gasto governamental, e esse gasto governamental estando controlado, estando reduzido principalmente em investimentos, isso desacelera bastante a economia e reduz, consequentemente, o PIB. Se um dos componentes de uma soma é um determinado gasto, se esse gasto não existe, essa soma vai ser menor, né? E o PIB é isso, o somatório de vários componentes de investimento, consumo e gastos do governo, além das exportações reduzidas. Então, se a gente consegue controlar determinados fatores também, como por exemplo, dólar, que encarece várias matérias-primas, mas muito também os equipamentos, o gasto com o capital que é necessário para as nossas empresas funcionarem. Se a gente consegue reduzir esse dólar também, a gente tem uma melhoria, em alguns níveis inflacionários, na melhoria dessa inflação, que a gente chama inflação de custos. Então, é possível, desde que algumas alterações estruturais, algumas questões legislativas sejam ajustadas e isso, obviamente, vai ser um desafio muito grande para o presidente, dado que uma boa parte do Congresso é oposição. Então, talvez essas reformas sejam dificultadas, dada esse cenário. Mas estamos aí torcendo para o melhor para que o investimento possa ser retomado e esses outros gastos, principalmente gastos com a população mais prejudicada, possa também ser retomado para que a gente saia do mapa da fome para que a gente retorne os níveis de emprego e tenhamos aí um cenário mais favorável na economia, principalmente como o presidente eleito diz, pra esses, que são mais desfavorecidos.


Jhoária: E as lacunas também ainda seguem presentes no eixo econômico do programa. Mas ela está presente, muito mais na questão de como as propostas que abarcam diversas frentes, vão ser implementadas.


KELLEN BRITO: Com relação a lacunas e falhas no programa do presidente eleito Lula, a gente não vê na verdade grandes falhas no sentido de ausência de programas. Os programas eles abarcam todas as áreas relativas a questões econômicas, internas e externas, como questão comércio internacional, relações internacionais entre os países, as questões econômicas internas no sentido, da promoção de crescimento e desenvolvimento, investimentos econômicos nas mais diversas áreas, fala sobre todos os setores, fala sobre agricultura, agropecuária, comércio, serviço e a indústria. É um programa de industrialização também, já que a gente sofreu um processo de desindustrialização crescente nos últimos anos. A grande questão que se ergue é: seria um tempo hábil para realizar tudo isso? Dado que a Lei Orçamentária ela vem do governo anterior pelo menos para um ano então quando for 2023, quando iniciarmos 2023, a Lei Orçamentária, ela vai ter sido aprovada no governo anterior e o governo subsequente no caso do presidente eleito Lula, ele vai ter que continuar, dar continuidade nessa lei orçamentária. Então, teríamos só três anos aí se conseguirmos no próximo ano fazer a derrubada da Emenda Constitucional 95, do teto dos gastos, só três anos teríamos pela frente aí pra conseguir promover esse programa que é tão amplo e realmente ele é extenso e ele é abrangente. Então é um programa que ele é realmente muito extenso. Talvez essa seja a falha do programa, né? Não especificar com grande detalhe como isso vai ser feito ou se isso de fato vai conseguir ser realizado, quais os prazos que vamos ter para realizar cada uma dessas propostas. Então, talvez a questão seja mais essa.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JHOÁRIA: Já destacamos aqui que no campo da educação, da economia e em outros campos, os desafios que Lula enfrentará vão ser imensos. Mas como estamos falando ao longo desse episódio sobre esses desafios e mais especialmente das lacunas identificadas nas propostas e nos programas, a gente conversou com pessoas que são de grupos diretamente atingidos por essas lacunas que tanto falamos aqui.


Aldenora: Para Jéssyka Rodrigues, mulher negra travesti, as demandas da população LGBTQIAP+ não são consideradas dentro do campo político.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JESSYKA RODRIGUES: Oi, gente. Eu me chamo Jéssyka Rodrigues. Eu tenho 1 m e 70. Eu tenho os olhos castanhos claro, os meus cabelos são num tom loiro, mel, são ondulados, eles são acima do ombro. Eu tô usando nesse momento um óculos de grau com armação transparente e vestida em um macacão preto com branco, com um desenho de palmeiras. Sou uma mulher travesti, negra. Moro numa cidade litorânea, Parnaíba, aqui no Piauí. Eu sou Assistente Social, sou mestranda em Políticas Públicas na Universidade Federal do Piauí. Eu sou assistente de pesquisa da Fiocruz Piauí e faço parte dos movimentos sociais. No Brasil, eu gosto sempre de enfatizar que não existem políticas públicas para a população LGBT. Essas políticas públicas, elas não existem e elas não são pensadas por nenhum governo, tanto no governo atual e tanto nos governos anteriores


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JESSIKA RODRIGUES: No período eleitoral qualquer candidata, candidato, eles começam a falar da importância de estar pautando, de estar agendando essas questões dessa população, no entanto, a gente observa que, quando eleito ou eleita, isso não acontece. Nós sabemos também que isso não acontece porque existe uma relação de força e existem pessoas que não é que não representam essa categoria dentro desses poderes e quando há algumas pessoas que se manifestam, sofrem retaliações por estarem pautando e agendando essas questões voltadas para essa população. No entanto, nós temos ganhado aí espaço, ainda que de forma tímida, nós temos elegido várias pessoas trans, negras que em nenhum momento elas se deixam corromper por um sistema que é corruptível, então nós temos avançado nesse sentido. Mas, infelizmente, nós ainda temos que avançar muito. A gente precisa colocar pessoas dentro desses espaços de poderes que não só pautem nas suas campanhas eleitorais, mas que de fato elas sejam comprometidas com essas agendas.


ALDENORA: Mas, ainda que existam essas lacunas que atingem diretamente a população LGBTQIAP+, se posicionar a favor de governos de esquerda, como o do presidente eleito, o Lula, é onde é possível estabelecer algum diálogo sobre pautas que lhe atravessam.


JESSIKA RODRIGUES: Nós não temos outra saída a não ser estarmos nos posicionando e a favor da esquerda, porque na esquerda, é no partido da esquerda que embora tenha essas lacunas, que embora tenha muito que transcender, é na esquerda que nós conseguimos dialogar e é por isso que nós acreditamos, nós esperançamos que é com a retomada do Lula na presidência que nós vamos conseguir avançar nessas pautas. O que não acontece nesse governo atual, nesse desgoverno atual. Esse desgoverno atual ele deixa bem nítido, bem nítido e bem explícito, de que não haverá chance, não haverá lugar, não haverá construção de políticas públicas para a população LGBT. O que nós temos hoje, são discursos de ódio, são ataques diretos nessa população.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JHOÁRIA: Sobre as propostas voltadas para a população negra, que destacamos dentro do programa do Lula, conversamos com a ativista, historiadora e professora da Universidade Estadual do Piauí, Iraneide Soares. Vamos ouvir?


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


IRANEIDE SOARES: Eu sou Iraneide, uma mulher negra, de cabelos vermelhos, uso dreads, roupas coloridas, óculos preto, armação preta. Essa sou eu. Bom, primeiro, o plano, o plano do governo Lula, ele teve sim uma participação em termo de construção nossa, tá? Uma participação bastante importante, com grupos de trabalhos com participação direta desde a associação de pesquisadores negros a coletivos do movimento negro como MNU, como Convergência Negra, Coalizão, enfim. A gente teve uma participação e eu te confesso que não foi uma participação como a gente gostaria e como a gente deveria e não foi uma exceção também de propostas como a gente gostaria e como deveria, tá?


JHOÁRIA: A professora Iraneide, inclusive foi recentemente nomeada para compor a equipe de transição do governo Lula.



IRANEIDE SOARES: No último dia 16, eu fui convidada a compor a equipe de transição do governo Luiz Inácio Lula da Silva e para especialmente para compor a comissão de, para compor o GT técnico, no Ministério da Ciência e Tecnologia. Convite para mim muito honroso, uma honra foi enfim. Foi uma alegria ter sido convidada ter sido lembrada, mas também lembrar que esse convite ele também ele parte de uma demanda, de uma costura política, mas sobretudo de uma reivindicação, política dos movimentos negros especialmente da Convergência Negra a qual faço parte e da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, que eu estou presidenta. Nesse sentido claro que para além disso outros coletivos como Historiador Coletivo de historiadores negros Brasil, Coletivo de Iintelectuais Negros, movimentos de mulheres, enfim, o consórcio nacional, entre outras enfim a partir de todo esse movimento negro que não se via representado no governo e que de repente sentir a necessidade de reivindicar e fazer uma certa pressão para que nós ocupássemos espaços dentro da transição da pasta não somente com o tema das relações etnico-raciais, da igualdade racial, mas também especialmente em outros espaços. Então, me senti muito honrada e contente com o convite e lá estou, contribuindo já com a construção de pensar e o repensar de um novo governo Lula.


JHOÁRIA: A pesquisadora também comentou com a gente sobre o que já se tem de políticas afirmativas voltadas à população negra no Brasil em vários eixos.


IRANEIDE SOARES: E a gente também, mesmo observando isso que eu chamo de lacuna, observa-se também o contingente, ou seja, o número de o que se tem de políticas afirmativas, o que se conquistou nos últimos vinte anos no tocante à legislação. Então, assim o que que temos hoje no Brasil? Nós temos uma legislação afirmativa bastante expressiva como leis, legislação que perpassa pela saúde da população negra como o Programa Nacional de Saúde da População Negra, nós temos uma legislação que passa que na população negra ela vai acolher uma agenda feminina das mulheres negras, mas uma agenda da população infanto-juvenil, uma agenda da população adulta e uma agenda do homem. Tá certo? Então nós vamos nesse sentido a gente conseguiria se implementado esse programa, acolher uma a uma agenda reprimida de toda uma população negra no tocante à saúde, tá? Esse é um ponto. No tocante à educação nós temos também uma legislação que eu estou chamando de legislação afirmativa que são a LDB nos seus artigos vinte e seis A e setenta e nove B que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e eu já acrescento indígena também, as diretrizes curriculares específicas, pra educação escolar quilombola, educação escolar indígena, educação para as relações étnico-racial, enfim e outros outros temas, tá? Então, isso nós temos também e nós temos uma lei específica para o acesso de jovens negro no ensino superior que é a lei de cotas. Então, isso sim nós também temos uma legislação que também é fruto de todo o processo de luta e conquista dos últimos vinte anos, conquista do movimento negro. No tocante ao mercado de trabalho, o acesso ao trabalho, nós também temos uma lei de cota para o acesso ao serviço público que também está aí e também é uma conquista importante pra gente é relativamente recente uma legislação, uma lei relativamente recente que é uma das mais novas mas também que é importante. Então, assim, o nosso debate, o nosso embate com o plano de governo do presidente Lula foi exatamente aperfeiçoar alguns mecanismos como a Lei de Cotas para acesso ao ensino superior, aperfeiçoando o tocante a pensar também e pensar e deixar expresso na legislação a importância da permanência desse sujeito, permaneça e encaminhamento para o mercado de trabalho. O aperfeiçoamento desses mecanismos legislativos, mas ao mesmo tempo implementação sobretudo, implementação sobretudo especialmente e aí é uma reflexão minha, especialmente no tocante à implementação da legislação que trata da educação básica, que é a lei dez mil seiscentos e trinta e nove de dois mil e três que vai tratar da obrigatoriedade do ensino histórico e cultural brasileira e africana na educação básica e por conseguinte que essa, que esse mecanismo também ele chegue ao ensino superior especialmente mexendo com o currículo da educação do ensino superior para que esse esse estudante quando ele sai da universidade ele já tem uma formação básica bastante expressiva, bastante aprofundada nessas temática, de modo transversal, que perpassa todas as áreas do conhecimento. Então, são questões que veio para o debate, para a mesa do debate e que o pensamento nosso é como implementar.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JHOÁRIA: Ainda que seja um programa feito por um governo de esquerda, que traga propostas voltadas aos grupos mais vulneráveis, o que a gente vê é que precisamos nos manter atentas às lacunas que encontramos por aí. E isso foi exatamente isso que nos motivou a fazer esse episódio. As lacunas estão aí. Mas a nossa esperança em acreditar que elas possam ser preenchidas, também se mantém viva!


ALDENORA: Vale lembrar que o governo Lula ainda não começou de fato, então ainda tem muita coisa para acontecer neste período de transição até o dia da posse que acontece em primeiro de janeiro de 2023. E para encerrar esse episódio, gostaríamos de destacar nomes que nos deixaram muito felizes em saber que foram chamados para integrar a equipe de transição do governo. São eles: o advogado especialista em questões raciais, Silvio Almeida; a ex-ministra de Igualdade Racial, pesquisadora e pedagoga, Nilma Lino Gomes;


JHOÁRIA: Tem também o educador e fundador da Uneafro e da Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior; a escritora e ativista da Frente de Luta por Moradia de São Paulo, Preta Ferreira; a professora, jornalista e diretora do Instituto Marielle Franco, Anielle Franco. E por fim, a professora Iraneide Soares que contribuiu para a construção deste episódio. Muitos outros nomes importantes estão juntos nessa lista. E ficamos felizes por isso!


[VINHETA DO MALAMANHADAS]


JHOÁRIA: A gente está no fim deste episódio, mas se você acha que faltam mais pontos no plano de governo do Lula que precisamos debater, fala com a gente pelas redes sociais. Estamos no twitter e instagram. Nosso perfil é: @malamanhadas. A gente continua o debate por lá!


ALDENORA: Esse episódio foi roteirizado por Aldenora Cavalcante e revisado por Ananda Omati. Produção e locução, Aldenora Cavalcante e Jhoária Carneiro. Edição e mixagem de áudio: Ananda Omati/Jade Araújo e música original de Perduvoyage.


Jhoária: O Malamanhadas Podcast é uma criação original da Malamanhadas Produtora.



[FIM DO EPISÓDIO]



CONTEÚDO UTILIZADO NESTE EPISÓDIO:




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