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EPISÓDIO #36 Série Justiça Reprodutiva: Direito ao consentimento

Quarto episódio da Série Justiça Reprodutiva publicado em 27/06/2022



Em um fundo bege de textura rugosa, temos uma figura geométrica na cor laranja que faz referência ao sol e realça a figura de uma mulher grávida que esta sentada com as pernas entrelaçadas e com os braços como se estivesse acariciando a barriga. Ela é negra, possui um cabelo black power bem volumoso, veste um top rosa quase vermelho e uma calça branca acinzentada. Ao longo do seu corpo é possível ver marcas escuras, como se fossem machucados , em seu rosto vemos uma lágrima.
Capa do Episódio #36 | A imagem contém texto alternativo


Confira o episódio em nas plataformas de áudio: Deezer | Spotify | Google Podcast | Stitcher


Confira a tradução do episódio em libras: Canal Malamanhadas Podcast



Confira o roteiro na íntegra:


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]

MARA ANDRADE: Eu vim para a capital ter o meu filho, esperar a data prevista do parto. E quando eu dei entrada no hospital, avisei o pai do bebê e tudo e daí começou uma série de violências obstétricas. A gente sempre imagina que violência é algo físico, mas às vezes, a violência ela vem até disfarçada de de cuidado. Chegou lá, eles já me aplicaram ocitocina, sem me pedir, sem me informar o que era. E aí a outra violência obstétrica mais séria que eu sofri, que eu não imaginava, foi a episiotomia, que eu achava que era algo rotineiro. Fui forçada a fazer força, toda aquela coisa: “Ah não, não abre a boca, não faz isso, não puxa respiração”. Nossa, muita coisa assim acontecendo e eu sem ter passado por essa experiência ainda, então aceitava tudo, né?


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


ÂNGELA TEIXEIRA: E aí, finalmente, quando eles conseguiram me aplicar a anestesia, e aí aquela dor foi aliviando, aliviando, aliviando e aí passou. Aí o médico disse assim: “Levanta a perna esquerda”. Aí minha tia disse: "Doutor, pelo amor de Jesus Cristo, gente, vocês ainda não perceberam, novamente? Ela tem uma deficiência”. Aí ela tomou e tirou o pano: “Doutor, você acha que tem condição de levantar a perna, essa perna dela não tem firmeza, a outra também”. Ele disse: “Ela é deficiente?”. Ela disse “Sim. Desde que a mãe dela trouxe ela pra cá, que a mãe dela tá insistindo ali que ela é, tá mostrando, aí vocês tão se recusando a enxergar isso”. E aí passei quatro dias na maternidade, em cima de uma cama, amiga, esses quatro dias sem tomar banho porque eu não tive, não tive assistência nenhuma lá. Tinha enfermeiros e, eles sabiam que eu tinha uma deficiência, mas nunca nenhuma enfermeira, sabe, chegou lá do meu lado pra saber se eu precisava de alguma coisa.


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


ALDENORA: Oi, eu sou Aldenora Cavalcante.

JADE: E eu, Jade Araújo. Estamos começando o Malamanhadas Podcast.


[VINHETA DO MALAMANHADAS]

ALDENORA: Este é o quarto e último episódio da Série Justiça Reprodutiva realizada ao longo deste mês de junho onde estamos debatendo o acesso aos direitos reprodutivos por mulheres com deficiência. Após a gente ouvir as nossas protagonistas falando sobre suas vidas enquanto mães e mulheres com deficiência, depois compartilhando sobre sexualidade, aborto e luta por direitos, neste finalzinho de série, vamos falar de assuntos também muito necessários: violência obstétrica e acessibilidade nas maternidades.


JADE: Mas antes de começar, quero lembrar que você pode acessar a série completa pelo seu tocador de podcast favorito, e também pelos vídeos com a tradução em libras no nosso canal do YouTube. Basta procurar por: Malamanhadas Podcast. Os links facilitados estão nas nossas redes sociais, Instagram e Twitter.


ALDENORA: Toda essa produção só foi possível a partir da Campanha Nem Presa, Nem Morta, que luta pela descriminalização do aborto no Brasil, sob o selo do Futuro do Cuidado, uma iniciativa colaborativa, realizada por Grupo Curumim, Anis - Instituto de Bioética, Portal Catarinas, Rede Feminista de Saúde e Coletivo Margarida Alves.


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


ALDENORA: Por se tratar de um episódio que traz relatos sobre violência, avisamos que este conteúdo pode gerar gatilhos. Se você é sensível a esse tipo de assunto, recomendamos que você não escute.


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


JADE: Os trechos dos relatos que vocês ouviram no começo deste episódio, são da Mara Andrade e da Ângela Teixeira, que vão compartilhar com a gente momentos delicados de suas vidas. A Mara sofreu violência obstétrica durante o parto do primeiro filho, Darwin, atualmente com onze anos. E a Ângela, durante o nascimento do único filho, Igor Carneiro, de 28 anos.


ALDENORA: A violência obstétrica é um tipo de violência contra a mulher que consiste em atos praticados contra grávidas durante o pré-natal, parto ou pós-parto. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o termo se refere à apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre o corpo e a sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida.


JADE: Tratar a grávida de forma humilhante, realizar qualquer tipo de prática invasiva ou intervenção médica forçada, como a episiotomia, negar tratamento ou a presença de um acompanhante, ser capacitista, racista ou machista durante o parto, são alguns dos exemplos desse tipo de violência. Além disso, essa prática pode ser considerada uma ameaça à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher.


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


ALDENORA: A violência obstétrica ainda não é um crime previsto no Código Penal brasileiro. O uso do termo, inclusive, sofre constantes ataques pelo mundo, o que prejudica o avanço de pesquisas e dados públicos sobre o assunto. Entretanto, alguns estados possuem leis que regulamentam medidas que podem reduzir essa prática violenta. No Piauí, por exemplo, foi sancionada em março deste ano, a lei 7.750 de 2022 que estabelece medidas sobre o direito à presença da doula no parto, pré-parto e pós-parto e em situação de abortamento.


JADE: Apesar do ganho para que gestantes não passem pela violência obstétrica no Piauí, o deputado estadual Marden Menezes, do Progressistas, pediu a revogação da lei considerando o pedido do Conselho Regional de Medicina do Piauí, que criticou o texto ao dizer que a lei tirou a autonomia dos médicos e que o termo violência obstétrica é preconceituoso e desqualifica o trabalho destes profissionais. No entanto, os números nacionais mostram o contrário. Uma a cada quatro mulheres já sofreram algum tipo de violência seja na fase do pré-natal, pré-parto, parto e pós-parto. A lei ainda está em debate e sob constante ataque.


ALDENORA: Dentro dessa discussão, as mulheres com deficiência formam um dos grupos mais propensos a vivenciarem essas situações de violência obstétrica, por serem mais vulneráveis, segundo estudos. E isso acontece por vários fatores. Quem comenta sobre esses fatores com a gente, é a sexóloga Kelly Araújo, que já participou aqui da série no episódio sobre sexualidade e afetos.


KELLY ARAÚJO: Mulheres com deficiência tornam-se mais propensas a vivenciar, a ser vítima da violência obstétrica, porque também perpassa por todo um patamar, por toda uma construção até chegar a essa violência de fato. A falta de orientação é a principal. Eu não tenho acesso às informações de prevenção, primeiramente, pra eu evitar, a gravidez, se for do meu desejo. Eu não tenho a minha mãe, o meu pai pra me orientar no sentido de que namorar é bom, é gostoso, mas com segurança você vai ficar muito mais confortável. E aí, quando você inicia essa vida sexual, e antes, o recomendável é que você procure antes de iniciar essa vida sexual, um ginecologista, um profissional que possa orientar qual o melhor contraceptivo a ser utilizado.


JADE: A falta de informação, assunto que estamos trazendo à tona de forma constante nesta série, muitas vezes é um fator complicador para que as mulheres com deficiência entendam que aquilo que vivenciaram foi de fato uma violência.


ALDENORA: Mas isso também acontece com todas as mulheres no geral. Um estudo feito a partir da Exposição Sentidos do Nascer, uma iniciativa de mobilização e divulgação das práticas baseadas em evidências na atenção ao parto e nascimento, analisou o perfil e a experiência de parto de 555 mulheres diversas que visitaram a exposição durante a gestação. Nele, foi observado que 12,6% dessas mulheres relataram alguma vivência de violência obstétrica. Essa porcentagem de relato espontâneo reflete o desconhecimento do problema, visto que a proporção das respostas afirmativas aumentou para 25% quando descritas formas distintas de abuso e maus tratos que as mulheres reconheceram terem sofrido, mas não reportaram como violência obstétrica.


JADE: Como se pode perceber, existe uma dificuldade no reconhecimento por todas as mulheres, incluindo as mulheres com deficiência sobre o que é violência obstétrica. A pesquisa também aponta que os fatores para essa não identificação são muitos e se assemelham à problemática da identificação por parte da vítima quando sofre violência doméstica, por exemplo. Nesse contexto, também deve-se considerar a existência da relação de poder entre profissionais da saúde e gestantes.


KELLY ARAÚJO: Esse patamar da violência obstétrica ela passa por muitas demandas. E aí, as principais: essa orientação por falta dos familiares, a priori, que não obtêm por acreditarem que nós não temos, que não vamos transar um dia, tá? Vamos colocar assim. A outra questão é esse acesso, a todas as informações de prevenção, como usar camisinha, contraceptivo e isso, aquilo outro que a gente não tem acesso. E aí, quando essa mulher engravida, ela vai procurar fazer o pré-natal dela, pensando que ela vai ser bem acolhida, ela sofre, no mínimo, três tipos de violência: a verbal, a simbólica, e a violência física. O maior índice de violência sofridos por mulheres com deficiência no caso de violência obstétrica é a demora no parto. Ela demora a ter a criança. Acredita-se que ela está fazendo um escândalo danado ali porque sente dor e acabam sendo ignoradas. As mães com deficiência acabam gerando crianças com deficiência por falta de oxigênio, porque passa do tempo de nascer. E aí, um dos fatores também, que a gente percebe muito na rede pública, é que o pai cego, a mãe cega, o pai cego dessa criança, o pai não pode entrar com uma outra pessoa pra acompanhar nos partos, uma outra pessoa da sua confiança que enxergue no parto. Não é normal permitirem isso, porém é necessário. Eu acho que não deveríamos agir assim. Deve ser pensado muito essa questão de que a mulher, ela já está sofrendo ali, o psicológico abalado, sentindo dores físicas e aí o fato do marido não poder acompanhar, pelo fato dele não enxergar ou por ele ser um cadeirante, um surdo e não ter um acompanhante ali, uma pessoa da sua confiança, para que ajude no diálogo, ajude com relação ao que tá acontecendo naquele parto. A gente tá sofrendo passando pelo processo do parto e ainda sofre com essas questões todas, né? Então, são várias as negligências que acontecem no atendimento público, com a saúde dessa mulher. Mas é muito complicado tudo isso. Envolve muita coisa. A mulher, ela já tá passando por toda uma sensibilidade, uma mudança corporal, de hormônios e você ainda fica inibido a tantas questões, a tantas situações que a violência obstétrica ela se torna algo muito complexo. A gente precisa falar mais. A gente precisa lutar mais pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres com deficiência com enfoque a violência obstétrica que vem acontecendo cada vez mais.


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


ALDENORA: A Mara Andrade, que abriu este episódio, é uma mulher com deficiência visual. Ela já passou por alguns processos para se entender enquanto uma pessoa com deficiência. Um deles foi na infância.


MARA ANDRADE: Eu tive, vamos dizer que bem demarcada, duas fases da percepção da deficiência. A primeira fase foi de criança para adolescente que eu achava que eu era imperfeita por ter aquilo. Eu queria saber a causa de eu não enxergar. Eu queria ir em busca de uma cura. Aquela questão da religião de um milagre, aquela coisa, eu achava que eu ia ser muito feliz quando eu enxergasse.


ALDENORA: Essa percepção mudou anos mais tarde, quando ela passou a conviver com outras pessoas cegas.


MARA ANDRADE: E aí depois eu fui convivendo com pessoas cegas e vendo que elas tinham uma autonomia e foi me abrindo novas possibilidades e eu fui querendo aquilo para mim. Mas até então eu pensava que eu estava me adaptando e tudo e foi um processo. Até eu chegar na minha visão de hoje em dia, que eu não vejo mais a deficiência como uma doença. Mas sim, como uma forma de estar no mundo. Apenas a gente tem um jeito diferente de ver o mundo e de estar nele, de agir sobre ele. Tem muita gente que me pergunta: “Ah, mas e aí, como que tu faz, pra andar sozinha e tudo”. Ah, a gente usa bengala, né? E é bem difícil da pessoa se imaginar andando sem visualizar o caminho por onde ela está é pisando, né? Mas é algo totalmente possível.


ALDENORA: Nesse caminho, a Mara conta como acontece em algumas situações capacitistas que vive no dia-a-dia.


MARA ANDRADE: Tem pessoas que olham com pena - “Ai, tadinha dela e tudo”. Tem as pessoas que têm uma certa curiosidade, essas eu acho bem legal, porque dá pra gente trabalhar bastante, desconstruir bastante coisa. Tem aquelas que fazem com que a gente se sinta invisível, tipo, às vezes a gente vai atravessar uma rua assim só exemplificando. A gente vai atravessar uma rua e passa assim dez pessoas pela tua frente e tu tá ali posicionada para atravessar a rua e a pessoa nem comenta assim, tipo “quer uma ajuda para atravessar a rua e tal?”, alguma coisa. Então, eu acho que tem praticamente essas três classificações aí.


ALDENORA: Apesar dessas situações, a Mara segue com a vida de estudante de psicologia e mãe do Darwin, de 11 anos e da Melanie, de 4.


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


ALDENORA: Falando um pouco sobre a maternidade, quando a Mara decidiu engravidar, o desejo surgiu também da vontade de pertencer a algum lugar e a alguém. Uma sensação que ela lembra que compartilhou com o pai do primeiro filho.


MARA ANDRADE: Queria me sentir parente de alguém, não sei, era uma coisa estranha.E aí ele ficou meio “será?” e tudo e eu disse: “se você quiser, nós vamos ter um bebê!”. E aí tá, engravidei.


ALDENORA: A gravidez dos dois filhos foi um processo completamente diferente um do outro. Na primeira, Mara e o pai de Darwin estavam morando em Barcarena, no Pará, e não tinham familiares por perto, e ainda eram muito inexperientes.


MARA ANDRADE: Como a gente morava em outra cidade, éramos só nós. E aí eu não conhecia nada na cidade e fui começar fazer pré-natal, essas coisas todas. Ele era um cara que trabalhava muito, então eu passava a maior parte do tempo sozinha, era um cara muito inexperiente. Assim e tipo, tirando o apoio das minhas amigas foi meio solitário para falar a verdade. A minha primeira gravidez foi inexperiente, e eu aproveitei o que eu podia aproveitar, mas foi algo assim muito… Até porque nessa época, acessibilidade né, eu engravidei em 2000 e…vamos lá, memória… 2010! E eu tive ele em 2011. Nessa época eu não tinha acesso a leitor de tela e tudo…então era bem limitada a minha questão de acessibilidade a informações mesmo em coisas, tipo. Foi mais ou menos assim.


ALDENORA: Além disso, o período gestacional foi acompanhado de diversas violências.


MARA ANDRADE: Falando sobre a gravidez, geralmente nos hospitais eu era vista como a coitadinha da cega que engravidou: “E agora, como é que ela vai cuidar dessa criança?” ou “Ainda bem que ela engravidou, que ela vai ter alguém para cuidar dela no futuro!” Eram as coisas que eu mais ouvia, e teve o ápice, que foi uma enfermeira que perguntou se tinha sido estupro a minha gravidez. E tipo, cidade pequena foi bem complicada por causa disso, também. Eu acredito que as pessoas têm menos vivência com relação à deficiência, outros são acostumados a ver a deficiência como uma coisa que deixa a pessoa trancada em casa, né?


ALDENORA: Essas violências se acentuaram durante o momento do parto, que aconteceu em Belém, no Pará.


MARA ANDRADE: Eu vim para a capital ter o meu filho e o meu marido da época ficou trabalhando lá na cidade dele. Eu vim esperar a hora do neném nascer. Vim aho que umas duas semanas antes. Quando enfim, eu entrei em trabalho de parto eu liguei e daí ele, ele ia pra lá. Só que ele chegou depois do nascimento do bebê. Mas, enfim, quem ficou no hospital comigo foi uma amiga. E a questão da violência, falando em violência no geral, às vezes a gente pensa em violência só como uma questão física, mas a violência ela pode vir de diversas maneiras, inclusive às vezes até de maneira tão sutil que se confunde com cuidado. Então,começou por eu não poder protagonizar o meu parto, porque disseram assim, você vai ficar já internada, você já está com, sei lá, 3 para 4 centímetros e você já vai ficar internada. Daí eu não pude mais escolher absolutamente nada. Eu não pude participar de nada. Eles me aplicaram logo a ocitocina e eu perguntei: “O que é isso?”. Aí falaram, “Não, é um remedinho que vai apressar o parto para você não sofrer tanto”. Nem me falaram o nome, eu vim descobrir que era ocitocina já há muito tempo depois. Então fiquei na ocitocina sem poder me mexer, sem poder me exercitar. Não sabia que isso era tão importante porque como eu falei, eu não tinha tanto acesso. E aí, tipo, eu nunca tinha tido um filho, né? A minha bolsa estourou e eu fiquei em desespero assim, porque eu nem sabia o que era aquilo. E aí uma mulher veio super grossa e falou assim: “É só a bolsa que estourou. Credo, que escândalo!”. Enfim, depois quando deu a hora, eu fui para a sala de parto.


ALDENORA: A ocitocina é utilizada para estimular o trabalho de parto, ao promover as contrações musculares uterinas. Entretanto, o uso inadequado deste medicamento pode causar danos. Além de não ter sido informada corretamente sobre essa aplicação, a Mara também conta que durante o parto passou por um processo de episiotomia, uma intervenção utilizada para ampliar o canal do parto, por meio de uma incisão na região entre o ânus e a vagina, que pode gerar infecção na mulher e a prática deve ser feita apenas com justificativa emergencial. No inquérito nacional Nascer no Brasil, que foi realizado com mais de vinte e três mil puérperas, foram identificados excesso de intervenções no parto e nascimento. Mais da metade tiveram episiotomia e 40% das mulheres deste estudo passaram pela infusão de ocitocina. Todos esses procedimentos têm sido associados ao aumento da morbidade materna e infantil, prematuridade, hemorragia e entre outras violências. Para a gente, Mara conta que sofreu com o procedimento da episiotomia durante o parto.


MARA ANDRADE: Estávamos no hospital, eu e uma amiga, e ela era tão inexperiente quanto eu não. Ela também não tinha tido nenhum filho. Estávamos lá para aprender. E aí quando eu fui para a sala de parto, episiotomia sem me perguntar o que eu achava da episiotomia, né? Depois quando eu li tal, eu fiquei sabendo que a OMS recomenda a episiotomia só entre 10% a 25% dos partos e não é um procedimento rotineiro como eles fazem a gente acreditar, que na verdade isso facilita a vida dos profissionais e não nossa. A episiotomia, ela é como se fosse uma laceração de grau 2 na vagina. Sem contar que a laceração, quando ela acontece de forma espontânea, de forma natural, ela cicatriza muito mais rápido.


ALDENORA: Na época, ela acreditou que aquilo que estava acontecendo era algo natural. Somente depois de muitos anos que a Mara entendeu que de fato, o que viveu foi diversas situações de violência obstétrica.


MARA ANDRADE: No momento eu não senti nada, porque assim, em relação a estar sendo violentada, porque eu não nem sabia. Então, aí entra uma questão que eu sempre falo, a gente, só pode dizer que a gente escolheu algo se a gente tem informações suficientes para haver uma escolha consciente. Então assim, eu não denunciei porque eu já vim saber que eu tinha sofrido violência obstétrica acho que uns cinco anos depois. Então, eu não fiz mais nada assim. Mas, hoje em dia, como eu puder estar informando minhas amigas, enfim conhecidas, eu sempre tô ali à disposição.


ALDENORA: As informações que a Mara fala, são importantes para que as mães entendam quais os seus direitos e o que deve ser permitido durante o processo da gestação, do parto e do puerpério.


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


ALDENORA: Após passar por violências tão traumáticas no primeiro parto, a Mara decidiu que na segunda gestação, tudo ia ser diferente e o atendimento, completamente humanizado.


MARA ANDRADE: Vale a pena dizer que foi outra gravidez planejada, mas muito bem vivida. A gente foi a todas as consultas e ultrassom juntos. Eu tive dois partos. Todos dois normais, só que um humanizado e o outro não. Então, eu posso dizer logo que no meu primeiro parto, eu sofri violência obstétrica e, no segundo, não. O segundo foi um parto natural feito pelo meu marido, então foi uma coisa bem legal.


ALDENORA: Mas o caminho para ter um parto tranquilo, com todas as escolhas e direitos respeitados, não foi assim tão simples.


MARA ANDRADE: Quando meu filho fez assim uns 5 anos, ele começou a pedir um irmãozinho. Era o sonho dele ter um irmãozinho e então eu comecei a pensar na possibilidade, já estava no segundo casamento e aí a gente começou a pensar na possibilidade de ter um bebê. Agora assim, quando eu fui procurar o meu obstetra, como eu já estava muito mais empoderada, eu cheguei logo falando sobre o plano de parto e aí os dois primeiros já vieram com a data da cesária. Aí eu disse que não, só se fosse realmente necessário, uma necessidade real mesmo. Uma já disse que não faria meu parto, ela falou mesmo na minha cara. Eu fiquei meio chocada, mas achei bom porque ela não ficou me enrolando. Ela disse, “Não, se for assim, eu não vou fazer”. E o outro, ficou assim, tipo: “Ah, mais pela sua condição, eu acho melhor”. Enfim, e aí eu já deixei para lá.


ALDENORA: A Mara conta que um dos principais desejos nessa segunda gestação é que ela queria ser a protagonista do próprio parto e que seu companheiro, André Lucena, participasse de todo o processo. A busca foi árdua, mas satisfatória no final.


MARA ANDRADE: E eu achei uma obstetra que topou fazer o meu pré-natal, treinar o meu marido para ele ter uma participação ativa. E eu queria ser protagonista do meu parto. Eu queria ter essa experiência, diferentemente da minha primeira gravidez que eu queria experimentar a maternidade, dessa vez eu queria a experiência de ter um filho como uma pessoa que eu imaginava que ia me dar mais atenção, que ia fazer essa gravidez ser mais leve, ser mais curtida. E foi tudo, assim! Então falando especificamente do meu parto, todo o meu trabalho de parto eu passei na bola de pilates, eu passei tomando banho, comendo que é uma coisa que eles falam que não pode, mas é só porque se eles quiserem empurrar a pessoa para uma cesária, já está mais fácil porque a pessoa está ali com a barriga seca, mas a pessoa pode comer coisa leve. Teve playlist, eu fiquei sozinha, quer dizer assim, sem enfermeiro, médico ali toda hora em volta. Ficou só meu marido e minha sogra. Nossa, fui muito respeitada. Foi uma sensação totalmente diferente. Mas eu acredito que isso também aconteceu pelo nosso empoderamento mesmo tanto meu quanto do meu marido, porque a gente lia muito juntos e principalmente quando foi chegando perto do parto, a gente lia muito sobre parto, sobre intercorrências. E aí a nossa pequena nasceu, foi direto para os braços dele, na verdade, ele que recebeu ela mesmo direto de dentro de mim, cortou o cordão e tal. E enfim, foi uma experiência totalmente ao contrário, assim. E aí, mais uma vez eu toco nessa coisa, vai ficar repetitivo, mas eu acho que é importante a gente se informar, porque se não as pessoas vêm, falam qualquer coisa, a gente não tem argumento, não tem como questionar, porque não parece um motivo para questionar. Então, informação é primordial.


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


JADE: Diferentemente da Mara, a Ângela Teixeira, do Piauí, infelizmente não teve uma segunda chance de viver um período de gravidez menos traumático. Primeiro porque ela decidiu esconder a gestação da família e, consequentemente, não realizou o pré-natal de Igor Carneiro.


ÂNGELA TEIXEIRA: Conheci o meu segundo namorado, nós namoramos a bastante tempo e aí veio a gravidez. Com a gravidez, eu cheguei a esconder essa gravidez por nove meses por medo. Não escondi, eu omiti por medo. E aí quando chegou o momento do parto, eu tinha um amigo que morava aqui em casa, eu falei para ele e ele foi falar pra minha mãe. Aí, minha mãe, meu Deus, ai, Jesus, se não fosse a minha mãe, amiga, eu te garanto que hoje eu não estaria mais aqui. Que minha mãe foi quem segurou toda a barra. Minha mãe brigou com meu pai com unhas e dentes, porque meu pai disse que eu não ia entrar dentro nessa casa mais por conta dessa criança. Então eu fui, minha mãe me levou para a maternidade com muita dificuldade, me levou um irmão meu, que ele era bem grandalhão. Ele é até falecido, e ele me colocou no braço e me colocou dentro do táxi e foi.


JADE: As violências sofridas, começaram a acontecer ainda na porta da maternidade, antes mesmo do parto.


ÂNGELA TEIXEIRA: Ao chegar na maternidade, a minha mãe foi pedir uma maca, uma maca pra poderem me levarem e aí eles relutaram muito, aquele negócio. Minha mãe explicando que ela não caminha, ela tem uma deficiência, eu preciso de uma maca porque ela já tá quase, ela já entrou em trabalho de parto. E aí eles trouxeram a maca, me botaram nessa marca e me levaram lá para sala de parto onde eu, sentindo muita dor.


JADE: As violências se acentuaram durante o parto e só foram interrompidas quando uma tia, enfermeira, chegou para intervir e assegurar que a cirurgia de nascimento do sobrinho acontecesse sem mais intervenções.


ÂNGELA TEIXEIRA: Nesse meio tempo, a minha mãe ligou para a irmã dela, que minha tia que trabalhava na época na maternidade, e quando eu cheguei na maternidade era umas seis e meia pra umas sete horas. A minha tia tinha acabado de sair do plantão. E aí minha mãe resolveu ligar pra minha tia e aí ela disse: “Mas Adelaide, o que a Ângela tá fazendo na maternidade, ela tá é abortando?”. A mamãe disse: “Não, ela tá tendo um filho normal mesmo, de nove meses”. Ela disse: “Mas como assim? Eu estive ontem com ela aí na casa de vocês e eu não percebi barriga nela”. E a mãe: “Minha filha, pois ela tá aqui”. Ela disse: “Pois olha, pois eu volto já aí”. Só que antes da minha tia chegar, eles resolveram me aplicar uma injeção de força. Eles viram que estava demorando o meu parto e aí eles resolveram, eles viram que eu não estava conseguindo ter o neném e aí eles resolveram fazer uma aplicação da chamada injeção de força.


JADE: A tia de Ângela chegou exatamente no momento da aplicação da ocitocina.


ÂNGELA TEIXEIRA: E graças a Deus, sabe, bem na hora que a moça tava aplicando. Ela ainda chegou a introduzir a injeção, a agulha na minha veia, na minha mão, e quando a minha entrou que ela viu que a moça tava aplicando, minha tia correu e deu assim uma batida bem mesmo assim, chegou até a ferir minha mão. Ela disse: “Pelo amor de Jesus Cristo, que que é isso?”. Aí ela bateu na mão da enfermeira que a injeção caiu no chão e ela perguntou: “Que é isso, Jesus?”, que eles conheciam ela, né. “Que é isso, Jesus”. Ela disse “O que é isso Doutor, o que você mandou aplicar nela?”. “A gente está aplicando a injeção de força”, ele disse. “O senhor é louco? Fulano…”, que ela conhecia, né, ela disse o nome dele, é: “Fulano, você não observou, você não percebeu que ela tem uma deficiência física?”. Ela pegou, levantou assim a toalha, o pano lá, “Você tá vendo essa perna dela aqui? Essa perna dela aqui, ela tem problema até na bacia dela. Você é louco, você aplicando uma injeção dessa nela, nesse momento, você vai matar ela e vai matar o bebê, porque você tá forçando uma expulsão de um bebê que tá sentado, que não tem a mínima condição de ela ter o parto normal”. E ele disse: “Não, mas eu não tinha percebido”. Isso é grave, gravíssimo. E a dor aumentando, aumentando. Aí chegou uma hora que eu digo “Meu Deus, eu não vou aguentar”. E minha tia comigo, e minha mãe lá fora agoniada.

JADE: Com a intervenção, Ângela foi levada direto para o centro cirúrgico para fazer uma cesária, que também foi um momento sofrido no parto.


ÂNGELA TEIXEIRA: E aí, quando foi o momento de dar a anestesia, tinha que ficar naquela posição sentada e baixar bem a cabeça até os joelhos. Quem disse que eu conseguia? Porque cada contração, a cabeça dele ficava bem debaixo do meu peito, e aí eu: “Tia eu não vou aguentar”. Ela disse “Vamos”. Aí o médico disse: “Olha, vamos fazer o seguinte, quando vir a contração, que passar, você deita rapidamente e a gente te dá a injeção porque a gente só pode aplicar essa anestesia se você deixar e ficar na posição correta”. Eu digo: “Doutor, pelo amor de Deus, eu não tô conseguindo”. Aí, minha filha, e era o seguinte, aí começou uma contração atrás da outra, uma contração atrás da outra, e aí nessa hora eu não aguentei mais, então eu disse: “Meu Deus, eu não vou conseguir, eu não vou conseguir”. Aí, minha tia: “Vai”, eu digo: “Tia, eu não vou conseguir”. Eu sei que eu agarrei lá na roupa dela, na bata dela e eu digo: “Meu Deus”. Ela diz: “Ângela, se você continuar assim, você não vai conseguir mesmo não. Então, como você não tem condições de ficar na posição por conta das contrações, vai ser a força mesmo”. Aí, ela “Espera aí, rapidinho”. Aí ela ficou segurando a cabeça e eu sufocada, sufocada com a dor, com falta de ar, porque ele tava debaixo do meu peito, sabe? E aí, finalmente, quando eles conseguiram me aplicar a anestesia, e aí aquela dor foi aliviando, aliviando, aliviando. E aí passou. Então, finalmente o parto foi feito. Era umas 11:45 da manhã, eles fizeram o parto e aí foi tudo maravilhoso. Aí não senti mais dor. Meu filho nasceu tão pequenininho, sabe. E ele nasceu com menos de 2,5 kg, pequenininho, magrinho. Ele só tinha corinho. A gente levantava assim a pelezinha da mão dele, chega esticava aquela pelezinha.


JADE: Ao lembrar de tudo que passou, Ângela afirma que a presença da tia foi importantíssima para que mãe e filho saíssem com saúde do parto.


ÂNGELA TEIXEIRA: Se minha tia não tivesse ali, eu teria tido aquele filho de qualquer jeito. Ela chegou até falar pra mim, ela disse: “Olha, se eu não tivesse chegado a tempo, tu sabe o que que ia acontecer? Tu ia ter esse filho, esse parto ia te rasgar toda, ia te ferir toda porque ele não ia sair como um parto normal. Como ele estava de pé, ele ia sair de qualquer jeito. Ele podia até ter morrido, porque podia nascer com os bracinhos tudo cortado, a cabeça toda machucada”. Ela disse “E tu também”.


[VINHETA DA SÉRIE JUSTIÇA REPRODUTIVA]


JADE: Com o filho nos braços e aliviada que o parto tinha acabado, Ângela, seguiu passando por outras violências. Durante os quatro dias seguintes que ficou na maternidade até receber alta, ela lembra que não teve nenhuma assistência das enfermeiras.


ÂNGELA TEIXEIRA: Lá eu fui tratada assim sabe, como se, meu Deus, eu não tivesse importância nenhuma. Acho que pelo fato da minha deficiência.

JADE: Para conseguir assistência, foi preciso pedir ajuda para outras mães que também estavam se recuperando do parto.


ÂNGELA TEIXEIRA: Tinha uma mãezinha do lado, que a mãe dela, eu lembro como hoje, uma criança de 15 anos tendo um neném, um menino. Ela tinha 15 anos essa menina e a mãe dela foi quem me ajudou. Ela, inclusive, ela até ajudou a banhar meu filho, ajudava a banhar, sabe, tudo que eu precisava, ela me dava. Se pedisse uma água, ela ia buscar. Mas foi isso que disseram pra mim: “Óh, precisar de ajuda, você pede aí pras amigas aí, pede as colegas aí do lado”. E eu digo: “Meu Deus, como é que pode um negócio desse, né, amiga? Mas, graças a Deus, saiu tudo bem.


JADE: Ao questionarmos como ela via tudo que passou, Ângela afirma que hoje percebe a gravidade da violência vivida e a falta de acessibilidade na maternidade para receber ela, enquanto uma mulher com deficiência.


ÂNGELA TEIXEIRA: Hoje eu vejo como uma violência que eu passei, mas naquele momento eu não via como violência, eu via como um descaso mesmo, sabe? Uma falta de respeito, um descaso, pelo fato, talvez, de eu ser deficiente e não poder andar. Ou se eles fazem com qualquer mulher lá, tanto faz ser deficiente ou não, eles sempre fazem isso. Então, hoje eu vejo como uma violência. Hoje eu sei que eu vivi uma violência que eu passei por uma violência naquele momento. Que naquele momento eu via como um descaso, como eu falei pra você, o descaso até das enfermeiras que eu falava que eu não tinha condições de ir ao banheiro, de me levantar, mesmo passando pra uma cadeira de banho e sem ter ajuda delas, nenhuma delas me ajudaram. Então, pra mim foi um descaso e hoje eu vejo realmente isso como uma violência.


JADE: A violência sofrida pela Ângela, Mara e outras mulheres com deficiência acaba sendo um fator marcante em suas histórias.


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ALDENORA: A violência obstétrica, infelizmente, é apenas uma das dificuldades enfrentadas pelas mulheres com deficiência no período da gestação, do parto e do pós-parto. Nas maternidades, elas também sofrem com a falta de preparo dos profissionais durante os atendimentos e com a falta de acessibilidade.


JADE: O atendimento bem feito e a acessibilidade muda a experiência do parto e da gestação das pessoas com deficiência. Vamos ouvir a experiência de Rafaela Brito, mãe do pequeno Lohan Gabryel, de três meses de idade.


RAFAELA BRITO: Eu me chamo Rafaela, tenho 20 anos, moro em Picos aqui no Piauí e sou mãe. Tenho a deficiência do nanismo e hoje eu vou contar um pouco sobre como está sendo a maternidade para mim. Sou mamãe de primeira viagem, sou negra, meus olhos são castanhos escuros.


JADE: A Rafaela é de Picos, aqui no Piauí. Ela conta que o atendimento no hospital regional em que deu à luz, foi uma experiência positiva em um aspecto especificamente.


RAFAELA BRITO: Eu recebi total apoio lá. As enfermeiras lá também me ajudavam bastante, teve uma lá que ajudou a dar banho em mim. Eu fui bem tratada nesse hospital. Eu gostei bastante. A questão mesmo que me incomodava era a acessibilidade.


JADE: O incômodo que a Rafaela fala, é sobre a acessibilidade física do hospital regional onde foi atendida.


RAFAELA BRITO: Foi bastante complicado. O hospital que eu tive o bebe, a acessibilidade para mim, não tinha. Porque que não tinha? Porque a cama que a gente fica deitada pra repousar, era muito alta, muito alta mesmo e acabava que eu, feito uma cesária, para subir aquelas escadinhas, pra sentar na cama, precisar de ajuda e ainda era muito doloroso, entendeu?! Eu acho que precisa mais de acessibilidade porque é muito complicado você passar por uma cesária a poucos minutos e ter que subir aquelas escadinhas e com ajuda de alguém pra levantar, pra sentar, pra ir no banheiro também é outro problema porque você não tem total acessibilidade no banheiro por conta de que você precisa de ajuda de outras pessoas e mesmo com a ajuda ainda não é 100% bom, sabe? Não é aconchegante, nem confortável.


JADE: Essa experiência vivida por Rafaela, infelizmente, é uma realidade entre a maioria das mulheres e mães com deficiência no Brasil. Uma pesquisa publicada em 2021, intitulada “Acessibilidade no parto e nascimento a pessoas com deficiência motora, visual ou auditiva” realizou um levantamento nos estabelecimentos públicos vinculados à Rede Cegonha. Seus resultados apontam que mulheres grávidas com deficiência são mais suscetíveis a problemas na gestação e no parto, além de enfrentarem barreiras e desafios relacionados ao acesso e à qualidade dos serviços de saúde reprodutiva e de prevenção ao câncer. Para mostrar essa realidade com mais precisão, vamos trazer outros resultados identificados.


ALDENORA: Em uma análise de duzentas e quarenta UBS em quarenta e um municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, foi verificado que cerca de 60% das unidades eram inadequadas para o acesso de pessoas com deficiências.


JADE: Os resultados apontam ainda que a estrutura dos estabelecimentos hospitalares e maternidades vinculados à Rede Cegonha no Brasil não está adaptada para pessoas com deficiência motora, visual ou auditiva, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.


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ALDENORA: A gente conversou com a Érika Thomaz, professora do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão que participou dessa pesquisa. Ela já se apresentou no episódio sobre aborto desta série. Vamos ouvir o que ela tem a dizer sobre como foi essa pesquisa.


ÉRIKA THOMAZ: Até onde eu tenho conhecimento, essa é a primeira pesquisa de abrangência nacional que trata da questão da acessibilidade às mulheres com deficiência no momento do parto e nascimento da criança. E nós tivemos que fazer busca primária, coleta primária de dados porque os dados disponíveis nos sistemas de informação do SUS não nos permitem de fato fazer esse recorte levando em consideração a acessibilidade das pessoas com deficiência. Nós construímos esse roteiro de observação baseado em normas, nas normativas, em RDCs que são documentos preparados e que guiam como deve ser a estrutura arquitectónica para os estabelecimentos, por exemplo, que prestam assistência ao parto e nascimento. Mas também, a política nacional de humanização, a política nacional da rede Cegonha, as boas práticas na atenção ao parto e nascimento, às diretrizes em geral para o parto normal e para cesariana. Então, todos esses documentos e muitos outros foram levados em consideração para a construir esse roteiro que nos guiava no momento da observação in loco. Se nós fôssemos observar tudo o que as normas exigem, os nossos resultados teriam sido ainda piores, ainda mais graves, mostrando uma situação ainda mais dramática. Então, observando isso, que seria o mínimo necessário para acessibilidade às pessoas com deficiência, nós já encontramos um quadro terrível.


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JADE: Neste episódio ouvimos os relatos de Mara Andrade e Ângela Teixeira, sobre violências durante o período gestacional e do parto. Também nos aprofundamos sobre a acessibilidade nas maternidades.


ALDENORA: Este é o último episódio da Série Justiça Reprodutiva para mães-mulheres com deficiência realizada pelo Malamanhadas Podcast sob Mentoria da Revista AzMina. Todo o material que produzimos ao longo deste mês de junho só foi possível, a partir da parceria com a Campanha Nem Presa, Nem Morta, que luta pela descriminalização do aborto no Brasil, sob o selo do Futuro do Cuidado - justiça reprodutiva em tempos de pandemia. Obrigada a todos que acompanham e apoiam o nosso trabalho!


JADE: Se você não escutou ainda todos os episódios, volta lá no nosso feed para sentir e ouvir a série completa. Você pode acessar as referências utilizadas na produção deste conteúdo, bem como a transcrição dos episódios na íntegra no nosso site: malamanhadas.com. E também assistir os vídeos com a tradução em libras no nosso canal no YouTube: Malamanhadas Podcast. Os links facilitados para acessar tudo isso, estão na bio das nossas redes sociais: @malamanhadas.


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JADE: Agradecemos a consultoria para conteúdos acessíveis feita por Denise Santos, o trabalho de tradução em libras, de Vitória Ribeiro e as decupagens das entrevistas feitas pela equipe do Ôxe Normalize. Eu sou Jade Araújo, locutora deste podcast, também responsável pela identidade sonora, técnica de audiovisual, montagem e edição dos áudios. A Aldenora Cavalcante é a coordenadora do projeto, locutora e roteirista.


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ALDENORA: A Ananda Omati é coordenadora do projeto, roteirista, e responsável pela identidade sonora, montagem e edição dos áudios. A Jhoária Carneiro é assistente de produção. A equipe de pesquisa é composta por mim, Aldenora Cavalcante e a Ananda Omati. A identidade visual é do Moura Alves. Agradecemos a todas, todos e todes e até a próxima.


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FIM DO EPISÓDIO



REFERÊNCIAS:





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