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EPISÓDIO #34 Série Justiça Reprodutiva: Direito ao afeto e sexualidade

Atualizado: 20 de jun. de 2022


Segundo episódio da Série Justiça Reprodutiva publicado em 13/06/2022


A imagem tem um fundo bege de textura rugosa. No centro, uma figura geométrica na cor laranja que faz referência ao sol, realça o close no rosto de uma mulher negra retinta, com lábios carnudos avermelhados em destaque. Em sua orelha, um aparelho auditivo nas cores branco e azul. Ela tem cabelos pretos cacheados, usa uma tiara verde claro. É possível perceber que ela usa um blusão de mangas longas verde musgo ela está com uma das mãos encostada ao rosto como se estivesse posando e fazendo charme.
Capa do Episódio #34 | A imagem contém texto alternativo



Confira o episódio em nas plataformas de áudio: Deezer | Spotify | Google Podcast | Stitcher

Confira a tradução do episódio em libras: Canal Malamanhadas Podcast


Confira o roteiro na íntegra:


ALDENORA: Oi! Eu sou Aldenora Cavalcante


JADE: E eu, Jade Araújo. Estamos começando o Malamanhadas Podcast


[VINHETA DO MALAMANHADAS]


ALDENORA: Neste mês de junho, voltamos a publicar episódios com gosto de gás aqui no Malamanhadas. Para compensar todo o hiato do podcast, este mês uma série de quatro episódios está sendo semanalmente lançada naquele nosso dia de sempre - às segundas-feiras -, que já é para começar a semana com reflexões necessárias.


JADE: Exatamente! Então, anota aí os dias que vão vir os próximos episódios da série Justiça Reprodutiva: vinte e vinte e sete de junho. Aproveitando para te lembrar de assinar o nosso feed e assim, receber as notificações de lançamento. Você também pode encontrar os episódios desta série no Youtube, em vídeos com a tradução do conteúdo em libras no Canal Malamanhadas Podcast e a transcrição deste roteiro completo no nosso site: www.malamanhadas.com, ou na bio das nossas redes sociais: @malamanhadas.


ALDENORA: Toda essa produção só está sendo possível a partir da Campanha Nem Presa, Nem Morta, que luta pela descriminalização do aborto no Brasil, sob o selo do Futuro do Cuidado, uma iniciativa colaborativa, realizada por Grupo Curumim, Anis - Instituto de Bioética, Portal Catarinas, Rede Feminista de Saúde e Coletivo Margarida Alves.


[VINHETA DA SÉRIE]


JADE: No primeiro episódio, vocês puderam conhecer as protagonistas desta série: Ângela Teixeira, do Piauí, Márcia Gori, de São Paulo, Sayaka Fukushima, de Pernambuco, e a Mara Andrade, do Pará. Com elas, conversamos sobre família, a busca por autonomia ao longo da vida e a relação entre direitos reprodutivos, gênero e deficiência.

ALDENORA: Neste segundo episódio, a gente vai bater um papo sobre sexualidade e afetos. Mas para isso, fizemos uma produção um pouco diferente. Como temos mulheres de diversas regiões e estados, resolvemos articular uma roda de conversa online entre elas para debater sobre vários pontos que atravessam as relações que essas mulheres vivenciam.


JADE: Para isso, pensamos em um encontro apenas entre elas porque a intenção foi justamente deixar que essas mulheres se apossem de seus corpos, de suas mentes e desejos e principalmente se acolham a partir do compartilhamento de vivências que muitas vezes são negadas por uma sociedade em que a maioria das pessoas acreditam que mulheres com deficiência não têm respaldo para falar e viver as próprias sexualidades que, obviamente, também são experiências que existem e que não se limitam a deficiência.


ALDENORA: Nesse papo, a gente saiu um pouco de cena e chamou duas mulheres incríveis para participar: a nossa consultora de conteúdos acessíveis, Denise Santos que vai mediar o papo e a sexóloga, Kelly Araújo, que também vai partilhar as vivências sobre os assuntos debatidos aqui. Então, vamos lá!


[VINHETA DA SÉRIE]


[SOM DE LIGAÇÃO DE CHAMADA DO SKYPE]


ALDENORA: Oi, Denise! Acho que tá todo mundo conectado.


DENISE:Certo. A Angela já entrou?


ALDENORA: Tá entrando, o áudio dela tá conectando.


[SOM DE LIGAÇÃO DE CHAMADA DO SKYPE]


ÂNGELA: Ah, agora eu tô ouvindo!


ALDENORA: Massa! A Sayaka, a Kelly e a Márcia já estão na sala também. A Mara não conseguiu participar, mas vai aparecer de forma especial em alguns momentos da conversa.


DENISE: Vamos começar então, meninas, mulheres! Mais uma vez, sejam bem-vindas a esta roda de conversa, que é um trabalho do podcast Malamanhadas, que está produzindo uma série voltada para justiça reprodutiva das mulheres com deficiência e nessa roda de conversa a gente vai falar sobre a sexualidade da mulher com deficiência. Então , Ângela, Kelly, Márcia e Sayaka são mulheres com deficiência, né? Todas nós aqui temos alguma deficiência e eu vou pedir pra gente fazer uma rodada de apresentação, brevemente, fazer uma rodada de apresentação pra gente iniciar esse bate-papo. Bom, eu sou Denise Santos, faço parte da produção do Malamanhadas, eu sou mulher cega, sou mulher negra, de pele clara, gosto de usar esse termo. Eu tenho cabelos crespos curtos, estou vestindo uma blusa roxa e um short jeans e estou com um batom vermelho. Uso um cordão dourado no pescoço e um fone de ouvido na cor cinza.


KELLY: Olá! Kelly Araújo, sou uma mulher cega, de pele clara, cabelos loiros com luzes, lisos na altura dos ombros, uso uma leve maquiagem, batom vermelho, uso brincos, um piercing dourado e estou trajando uma blusinha verde de alças. Sou pedagoga, especialista em educação especial inclusiva e formada em sexualidade humana, consultora de produtos sensuais e ativista de movimentos sociais feministas, pra resumir um pouco o currículo. Prazer imenso estar com essa mulherada, tá participando desse grande momento, gratidão!


DENISE: Próxima! Sayaka?


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


ALDENORA: A Márcia, Sayaka e Ângela, vocês ouvintes conheceram lá no primeiro episódio. E quem não ouviu ainda, volta lá no nosso feed rapidinho. Vamos partir agora para a conversa.


DENISE: Certo, obrigada! Então, meninas, já dando início a nossa rodada, nossa roda de conversa. Como eu falei anteriormente, é sobre a sexualidade das mulheres com deficiência. E eu já começo perguntando como e quando foi essa descoberta da sexualidade pra vocês? Com esse diferencial, enquanto mulheres com deficiência.


ÂNGELA: Quem começa?


MÁRCIA: Então tá, então vou começar por mim, pode ser?


DENISE: Pode sim.


MÁRCIA: Tá! Márcia Gori falando! A questão da sexualidade acompanha a gente desde o útero da mãe, né? Quando a gente nasce e tudo mais. Se eu for falar da minha infância, foi tranquilo, minha deficiência. Sabe que quando a gente era jovem, não se ouvia falar de direitos de mulheres, né? Nós éramos criadas para ser mocinhas e serem casadas virgens também. Mas a gente sempre quebra as regras, né? Mas assim, a sexualidade pra mim sempre foi tranquila. Tive minha primeira relação com 18 anos, ao qual eu engravidei, aí eu não tinha condições de criar esse filho porque eu não tive apoio de ninguém, aquela coisa de não ter creche, não ter nada. Eu fiz um aborto. Depois, aos 25 anos, eu casei. Tenho 2 filhas hoje, já são mulheres de 32 e 31 anos e quando eu estava na presidência do Conselho Estadual de São Paulo, da pessoa com deficiência, em 2007, 2008, por aí, eu comecei a ter a sacada que ninguém falava de sexualidade, ninguém falava de mulher, ninguém separava esse tema, não fragmentavam movimento, só falavam de pessoa com deficiência e os problemas das mulheres ficavam ali escondido, maquiado, e as mulheres vivendo toda aquela situação de ter reconhecimento. E o movimento com a mulher em si, se sentindo dona de todas as pautas nunca deixou de falar, nunca deixou a gente falar 100%. Depois que a gente foi se agrupando, que a gente foi se fortalecendo, que a gente conseguiu se fazer ouvir dentro do movimento de mulheres, porque até então nós não tínhamos vozes nenhuma. Esse assunto da mulher com deficiência foi desprezado para colocado de lado. Aí em 2010, veio o seminário da sexualidade da pessoa com deficiência que eu fui coordenadora, acho que durante uns 6, 7 anos, enchia auditório porque é um tema que todo mundo gosta de falar e aí foi despertando, aí várias mulheres foram aparecendo, surgindo. Bom, deixa eu parar de falar senão fico falando o dia inteiro. Agora vai pra próxima, né?


KELLY: Posso ir, então? Bom, como Márcia bem pôs, a sexualidade, ela é inerente ao ser humano, algo biológico, e ela vai aflorando de acordo com o nosso desenvolvimento. Eu costumo dizer que sempre fui muito precoce. Enfim, conhecer o corpo e todas essas questões, os hormônios se aflorando, o primeiro namorado, o primeiro paquerinha, a perca de virgindade, sempre aconteceu muito na minha adolescência mesmo, 14, 16 anos. E vem toda essa questão de experiência com outras pessoas tendo deficiência ou não, homens com deficiência e sem deficiência, eu pude viver, tenho vivido até hoje das experiências, graças a Deus com relação à sexualidade mesmo. E trazendo com base nna fala de Márcia, e Márcia, inclusive, foi um dos incentivos que me levou a estudar a sexualidade, falo isso com muito carinho, assim pra ela, tendo essa oportunidade aqui nessa roda. Que quando a gente teve a oportunidade de discutir sexualidade no Maranhão, ouvir Márcia falar de tantas coisas e trazer tantas abordagem, eu pude compreender que nós, dentro dos próprios movimentos, segmentos de pessoas com deficiência, não tínhamos, essa liberdade de trazer tal temática pra mesa, de abordar tais coisas. A nossa fala às vezes não eram ouvidas. Se era ouvido, era “Ah, tá depois a gente resolve isso”, né?, “Depois a gente vê isso” e tal. E aí percebe-se a grande necessidade de se fundar organizações, no caso o coletivo de mulheres com deficiência do Maranhão, para que a gente trouxesse pra roda as nossas temáticas, o que nos afligia. E a saúde, a sexualidade, os direitos sexuais reprodutivos das mulheres é um dos grandes fatores, de roda mesmo de discussões que até hoje a gente aborda.


DENISE: Obrigada, Kelly. Angela ou Sayaka?


SAYAKA: Oi, Sayaka, que fala. A questão da sexualidade, para mim, é importante a gente tocar nesse assunto, porque eu tive uma história de abuso quando criança e que na minha adolescência me traumatizou. Então, não foi fácil. Eu perdi minha virgindade com 15 anos. Em seguida, eu engravidei. E logo após sofri um aborto. E depois de 3 anos, com 18, 19 anos, eu tive minha filha, eu engravidei e tive minha filha. Hoje com 51, faz 1 ano que eu perdi meu esposo. Ele infartou. Ele também tinha deficiência física. Ele, no caso, era deficiente físico na perna, uma perna atrofiada. E pra mim, foi um baque terrível, sabe? Que é caída, é uma caída, assim, você fica sem chão. Mas aos pouquinhos eu comecei a voltar e comecei a ter uma rotina que me ajudou muito. Atualmente eu tô namorando. Comecei a namorar depois dessa fase de luto e tô me sentindo muito bem assim, sabe, o que é liberdade? Sabe, livre, na questão de ter uma vida sexual novamente. Isso é muito bom, me deu um equilíbrio, me deu uma força. E tô muito bem com esse, com essa nova relação.


DENISE: Obrigada, Say. Angela?


ÂNGELA: Falar de sexo hoje pra mim, hoje é bem natural, bem normal mesmo, natural, comparado com o meu tempo de adolescência. Minha mãe não falava com a gente, comigo, com minhas irmãs sobre sexo. Minha mãe era muito conservadora, aquele negócio, ela tinha até mesmo vergonha de falar. Beleza, né? Então eu tive meu primeiro namorado aos 18 anos, namoramos 4 anos, mas nunca houve sexo entre nós. Foram 4 anos, bacana mesmo, gostei muito, sabe, e do nada acabou porque meu pai achava ele muito jovem, achava eu jovem, com 18 anos, ele com 20. Aí eu sei que do nada acabou, ele sumiu, mas nada de sexo, continuava virgem, e aos 26 anos eu conheci o meu segundo namorado. Esse foi bem mais forte, que é o pai do meu filho hoje e o sexo entre nós 2 não rolou logo de cara. Namoramos sete anos e aos poucos o sexo começou a rolar entre nós dois e eu muito desconfiada, meio envergonhada, sabe? Mas aos 26 anos, eu que comecei a abrir a minha mente, e com seis anos de namoro, rolou o sexo. Muito antes disso eu não lembro. Mas não demorou muito tempo não. E com 6 anos de namoro, eu engravidei. A última vez que eu mantive relação sexual foi com o pai do meu filho há exatamente 28 anos atrás. E de lá para cá, nunca mais, sabe. Eu simplesmente parei no tempo, mas amadureci muito. O sexo me fez bem e ser mãe me fez bem mais ainda a amadurecer, mas de uma coisa eu digo: eu não sinto falta de sexo, eu sei que sexo é natural, faz parte da natureza humana, né? Mas eu consigo. Até hoje eu tô conseguindo viver bem sem o sexo. Eu vou dizer que eu não penso, não, eu penso, mas eu nunca fui, sabe, daquela menina, daquela mulher, não fii muito namoradeira não.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JADE: Apesar de não poder participar da roda, a Mara também compartilhou com a gente como foi essa descoberta da sexualidade para ela. Vamos ouvir?


MARA: Então eu tive uma educação bem superprotetora, então na minha adolescência não foi diferente. Claro que por mais que você não fale sobre, que você esconda, isso vai aparecer de alguma forma. E quando você não tem com quem conversar, não tem uma educação sexual assim fica bem mais complicado. Então eu posso te falar que com catorze anos eu já me via nessa condição. Eu fui uma adolescente que as coisas aconteceram, eu acredito assim que de uma forma meio tardia, tipo eu menstruei com quatorze anos. Parece assim que todo mundo, todas as meninas, minhas colegas, minhas amigas, o corpo mudava e só o meu que não. Eu fui começar a sentir essa diferenciação e os desejos, tudo assim, com quatorze anos. O meu primeiro namorado foi um primo, eu ia pra casa da minha mãe, que eu era um pouquinho lá, então, eu namorava com esse primo durante as férias e a gente descobriu muita coisa juntos porque a gente tinha a mesma idade e os dois eram virgens. Então, muita coisa a gente descobriu juntos e tipo pra mim era uma escola. Não era uma escola, mas eu podia fazer experimentos ali. Porém, questão de sexo mesmo, ato sexual, a gente não não tinha coragem. E aí quando eu tinha dezessete anos eu resolvi que não queria mais ser virgem. Eu não tive pressão de ninguém assim explicitamente né? E aí com dezessete anos eu tinha feito um trabalho na escola sobre sobre doenças, sobre as ISTs e sobre métodos para evitar uma gravidez e aí então eu tinha ficado com uma camisinha, um preservativo e tal. E aí nós apresentamos esse trabalho, eu aprendi muito nesse trabalho. Eu sempre falo por aí que esse trabalho assim acho que foi um divisor de águas assim na minha vida. Eu estava com esse preservativo na minha bolsa e eu estava no interior, estava tudo propício. E aí eu disse para o meu primo, na verdade eu não tive coragem de falar, eu só mostrei. Aí ele falou assim tu quer e tal aí eu não conseguia nem verbalizar só mexia a cabeça estava muito nervosa mas eu estava querendo também tipo estava ali pronta e aí aconteceu. Adianto que foi horrível, como acredito que a experiência de muitas meninas. Eu acredito muito que por essa falta de informações, de conhecimento do próprio corpo, porque nós não somos educadas pra isso, porque a virgindade ela tem todo um valor moral em cima dela, enfim, existe um um muro que separa a mulher virgem da mulher não virgem, enfim. Passado um tempo eu me mudei, tinha dezoito anos, já não tinha ninguém pra me tutelar, já sentia que eu era dona de mim, ou pelo menos eu já era responsável pelos meus próprios atos. Então, eu fui morar com uma amiga e a mãe dela e tipo eu tive um choque de realidade porque lá ela dava muito mais espaço pra gente, ela era muito mais liberal e lá eu vivenciei, experimentei muitas coisas e eu até fiquei pensando que essas coisas foram super importante pra me construir, para construir a pessoa que eu sou hoje. Eu já tinha tido outro namoradinho mas eu ainda não tinha tido nenhum orgasmo. Então, inclusive lá também foi quando eu tive a minha primeira experiência com meninas, foi uma outra uma outra questão na minha sexualidade que aconteceu e que foi um momento também que me causou muitas dúvidas, mas que foi muito bom também. Hoje em dia, ainda bem, eu já tenho um entendimento diferente sobre, mas naquela época foi assim um turbilhão, eu achava que eu tinha que escolher enfim se eu queria ficar com meninos, com meninas. Nessa questão de orgasmo e tal, eu simplesmente conheci meu segundo namorado depois do meu primo, eu já tipo assim tive experiências melhores, mas não cheguei a ter um orgasmo, já sentia pelo menos prazer e tal e pra mim já estava satisfeitíssima assim nossa maravilhoso tal. Só que aí depois a gente terminou e tudo, começamos a morar longe quando eu fui pra casa daquela pequena dessa minha amiga. Comecei a namorar com um outro rapaz, mais velho que se preocupava com o prazer da outra pessoa que ele estava, muito paciente, inclusive foi ele que desconstruiu essa ideia minha de que eu não podia me tocar, era feio e que eu não era capaz de me proporcionar prazer e tal e tipo foi um choque pra mim quando ele me perguntou eu falei “não, isso é horrível, acho que é até pecado e tal”, porque é o que mais a gente ouve, né? Quando a gente é criança: “tira a mão daí, tira a mão daí”. Inclusive eu até fiquei pensando se eu não estava doente porque tipo eu nem consegui, eu vou ser sincera, eu nem consegui no momento saber se foi bom ou ruim porque eu meio que perdi o controle sobre o meu próprio corpo, foi uma sensação muito diferente e que eu não soube lidar no momento com aquilo. Eu falei assim: “Nossa será que eu estou doente, gente?”, porque era uma coisa tão estranha e depois eu fui entender que isso era um orgasmo e que eu poderia me proporcionar essa mesma sensação, isso pra mim foi uma descoberta incrível. Eu acho que quase eu me vicio nisso assim. Eu vivo a minha a minha sexualidade muito intensamente, eu acho que a gente precisa aproveitar as coisas boas da vida. Primeiro a gente precisa aprender que é bom. Para a gente começar a aproveitar de fato, a gente precisa se conhecer e enfim.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


DENISE: Vocês acham que a sexualidade em si, lembrando que sexualidade e sexo não… não necessariamente seria a mesma coisa, mas tá ligado a uma coisa na outra. Agora assim, você se dá bem, se dando bem com a sua sexualidade, você acha que isso está relacionado também a sua auto estima? Tem alguma ligação entre sexualidade e autoestima ou não necessariamente?


ÂNGELA: Não necessariamente. Como falei, eu mesma, eu não sinto falta do sexo não, amada. Sabe, logo eu procuro ocupar meu tempo. Depois que eu tive meu filho, em 2017, eu me formei em Administração de Empresas, agora esse ano, agora em 2022, eu tô no oitavo período de Serviço Social, tô terminando agora, eu tô partindo pra outra formatura. Então, eu busco ocupar meu tempo, não só pensando, porque se a gente for parar pra pensar, eu sinto falta, a gente sente porque eu também sou humana, sou mulher, sou de carne e osso, mas nem por isso, sabe, eu me deixo me levar pela vontade não, sabe, de sair: “Ah, eu vou ficar com alguém”. Logo, assim, eu nunca fui de ficar. Esse fica, fica de hoje, eu não sei, não dá pra mim.


MÁRCIA: Posso falar? É a Marcia falando. Não, eu acredito que a auto-estima tá ligado sim à sexualidade, mas eu penso da seguinte forma: sexualidade é uma coisa, sexo é outra, mas uma se liga, um assunto não desconecta do outro. A Ângela disse, do tempo, do período que ela tá aí sem sexo, já faz 2 anos que eu tava namorando depois que o meu marido morreu, eu ouvi um monte de situações que nós terminamos o namoro. Na realidade, foi até mais eu por teimosia. Até hoje a gente se fala, a gente se gosta, não moramos na mesma cidade. A gente tá pensando em voltar e não tive mais nenhum contato sexual com outro homem, não porque faltou parceiro, é porque é uma questão que eu não quis mesmo. É como a Ângela fala, essa coisa de ficar, pra mim também não faz muito meu gênero. Eu penso muito nessa questão de energia, sabe, que eu acho que o sexo é uma troca de energia, então você tem que ver bem. Mas também não quer dizer que a gente não deve se aventurar em conhecer pessoas. Também não podemos nos prender a isso. Mas eu acredito sim, porque quando você está tendo uma vida sexual ativa, você tem uma auto estima diferenciada, você tem outra disposição. Não adianta a gente querer negar, porque o sexo também é saúde. Como eu sempre falei nas palestras que eu coordenava. Sexo é saúde, é direito universal e não quer dizer que você não pratica sexo, você não tem saúde. Não, não é isso. É uma questão mesmo de você estar bem. Parte da seguinte premissa: você tá bem na situação que você tá hoje? Sexualmente, praticando sexo diariamente? Sim, estou bem, então sua auto estima está bem. Você está bem em não ter um parceiro sexual neste momento ou por alguns anos? Estou. Então você também está bem com a sua auto-estima. Tudo é uma questão de escolha, tudo é uma questão de estar bem. Auto estima é você estar bem dentro da sua própria pele. Então, eu penso dessa forma.


KELLY: Eu assino embaixo do que Márcia Gori traz. Sexo é saúde, sim, é o ato sexual ali posto, realizado por homens e mulheres, mulheres e mulheres, homens e homens, como ela bem colocou. A minha sexualidade plena é quando eu estou bem comigo mesma, quando eu me sinto bem transando ativamente ou não. Se eu não tenho um parceiro, se eu não tô transando, estou bem, ótima, feliz com meu corpo, com minha mente. se eu estou saudável dessa forma, você está com sua sexualidade lá em alta. Então, o coito, o sexo, o ato sexual é benefício para a saúde, sim, tá, a Organização Mundial de Saúde já traz recomendações dos benefícios do sexo para a saúde, para a auto estima, porém, se você está bem do jeito que está, quem sou eu pra trazer o contrário, pra dizer que “Não, você precisa transar, você precisa liberar aí os orgasmos pra ficar bem”. Eu costumo dizer que você se sentiria melhor ainda. Mas, vale ressaltar: a saúde sexual de cada uma de nós depende de como você está se sentindo. Se você tá bem do jeito que está, ótimo, parabéns. Viva sua sexualidade do jeito que você desejar viver.


DENISE: Maravilha! Say?


SAYAKA: Oi. Logo após eu ter perdido o meu companheiro, eu fiquei um longo tempo sem pensar em sexo, eu pensava que não ia ter mais ninguém, sabe? Estava ciente que eu ia ficar anos, anos solteira e viúva e não ia encontrar mais ninguém. Não tinha desejo, não tinha fantasia, nada. Fiquei totalmente fria à tudo. Tanto é que eu comecei a pensar, “poxa, será que eu estou frígida nesse tempo todo, sem nada?”. Outra coisa que eu também levei em consideração: eu estou num período de climatério, eu já estou com 51 anos, não entrei em menopausa ainda, mas eu tô na nessa fase do climatério que antecede a menopausa, então eu pensei, vai ver, tem a questão hormonal influenciando, essa falta de libido, sabe? E também a questão da perda, né? Foi muito abrupta, foi muito radical assim eu não esperava e foi um sofrimento muito grande. Aí fiz uma auto análise, em mim mesma, e comecei: Não é aquela história assim, sexo é importante, faz parte da vida. Aí eu comecei a devagarzinho a me tocar. Duas amigas que é a Juliana Vale e a Rita Guaraná, nós fomos para um sex shopping e lá eu comprei um vibrador, aliás, não comprei, eu fui presenteada. Depois eu comprei outro. Mas eu nunca pensei que um objeto fosse me dar tanto prazer, porque até então, para mim eu desconhecia. Aí comecei a voltar aquela coisa do sexo, da libido, comecei a me conhecer mais, o meu corpo. Foi um aprendizado esse período e logo em seguida veio a existência desse meu atual companheiro. Ele não tem deficiência, não é um homem com deficiência, ele é um homem maduro, tem 57 anos, mas a gente está numa fase muito ativa, sabe? E isso foi bom porque deu um resgate assim. É aquela essa história mesmo, sexo é vida, é realmente é vida, dá um up na vida da gente, a questão da auto estima vai lá em cima, a gente, acorda bem, feliz da vida. E tenho descoberto muitas coisas que eu desconhecia, ele está me ajudando muito assim, nas descobertas de tudo, da libido, de novas formas, novas posições. Isso para mim está sendo uma descoberta, nessa idade e aí está sendo muito bom para mim.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


DENISE: Agora em relação ao amor, entre sexo e amor. Qual a relação que existe entre esses dois conceitos, digamos assim. Vocês fazem amor ou vocês fazem sexo? Vocês acham que as duas coisas estão necessariamente ligadas?


MÁRCIA: Ai, meu Deus do céu. É complicado essa história de sexo, fazer de sexo e fazer amor. Acho que de certa forma não tem essa de que você não deposita sentimentos numa relação. Qualquer sentimento, qualquer emoção, aparece no ato, mas eu prefiro fazer quando eu gosto da pessoa que é muito melhor, mas também já fiz já sem gostar, sem estar apaixonada. Já fiquei, vamos dizer assim, como os meninos dizem. Então, já fiquei com pessoas sem sentimentos profundos. Foi legal? Foi! Foi bacana porque a pessoa era amadurecida, tinha uma cabeça legal, eu também não encarei como uma coisa que tinha que ser definitiva. Mas quando você gosta, é muito melhor. A troca de energia, a troca de confiança e cumplicidade, compartilhar, é acolhimento, empatia, vem um monte de sentimentos lindos, positivos e maravilhosos. Então, eu ainda prefiro fazer amor. Tem que rolar uma confiança entre os parceiros, não dá para ir às cegas e achar que amanhã vai ficar tudo bem, não é assim, eu não penso dessa forma, porque sentimento é uma coisa muito delicada, dependendo do que acontecer se você não tiver confiança, um pouco de conhecimento com a pessoa, rola os sentimentos muito complicados e antagônicos dentro da gente. Pelo menos eu penso dessa forma.


KELLY: Eu costumo dizer que eu faço amor comigo mesma e sexo com meu parceiro. Como Márcia Gori falou, envolve muitos sentimentos, o amor ele parte do princípio, do desejo, da paixão, aí a gente chega no amor. O sexo com amor é muito bom, muito gostoso. Há que faça sexo com amor e há aquelas e aqueles que fazem sexo por prazer, ou para satisfação própria, a gente chamaria do seu próprio ego, ou para a mútua satisfação, que seria, no caso do seu e do seu par. Por isso eu costumo dizer que eu tenho um amor próprio, assim no sentido de me tocar, de me conhecer, de me dar prazer, porque, como muitas de nós, mulheres, não alcançamos o orgasmo durante o ato sexual. É com tanta, vamos dizer destreza, assim como os homens, eles logo na quinta penetração, eles ejaculam logo e nós precisamos de vamos dizer, de uma certa colaboração para que isso aconteça por parte dos nossos. E aí, quando esse nosso está muito preocupado consigo e só em tá ali transar de fato, não vem com preliminares, fica muito difícil a gente sentir prazer e o tal orgasmo da vida, que muitas de nós desejamos e não obtivemos. Mas o que vale ressaltar é que fazer amor, fazer sexo com amor, é muito gostoso, mas fazer amor consigo mesmo se conhecendo, se tocando, se dando prazer quando possível, e ali, com o seu par, homem ou mulher, você conseguir se entregar naquele momento e o seu parceiro levar você ou sua parceira a alcançar o objetivo do orgasmo, é muito bom, muito prazeroso.


DENISE: E Ângela, para você, como é vivenciar experienciar esse amor próprio? A Kelly trouxe bem essa questão de se dar amor, de se dar prazer. Como é para você essa experiência do amor, do amor próprio, principalmente?


ÂNGELA: Bem, sexo para mim ele tem que ter amor, ele tem que ter carinho, tem que ter desejo. Sexo por prazer, para mim nunca rolou, amiga. Eu só mantive relações sexuais com um homem, até hoje os meus quase 58 anos. Eu só conheci um homem na minha vida que é o pai do meu filho, nos separamos há muitos anos, meu filho tinha um ano e 4 meses quando nos separamos e até hoje eu ainda não… Não sei se é porque eu não quis, eu não sei se porque eu me fechei pro mundo, eu parei no tempo, mas eu nunca fiz sexo com mais nenhum homem e sexo por fazer não faço não, amiga. Não vou dizer, eu já tive muitas cantadas, muitos galanteios, tem muitos homens, amigos mesmo me convidam pra sair, eu já conheci uma pessoa também, não chegamos a namorar, mas ainda andamos trocando um beijinho e ele só “vamos sair, vamos sair”. Ele ligava para mim, quando eu me dava conta, ele estava aqui na minha casa e “vamos sair?”, e eu “não, não, não”. Aí um dia ele perguntou pra mim, "Vem cá, Ângela, qual é a tua? Tu quer um relacionamento, é para casamento?”, eu disse “não, eu não quero um relacionamento para casamento, mas eu também não quero um relacionamento só por sexo”. Porque eu achava assim, eu sentia que ele só me via assim como um objeto sexual e para mim não rolava, até porque também ele era casado e namorar homem casado também nunca foi minha praia, nunca gostei, sabe? Então, sexo pra mim, tem que ter amor, amiga e muito amor, viu? E é isso aí.


SAYAKA: Eu concordo, aqui Sayaka, falando. Já tive experiência de sexo por sexo e sexo, amor. E eu prefiro com amor e muito amor, porque é uma entrega, é química mesmo. Então, rola tudo! Rola desejo, sabe? Mesmo nos pequenos detalhes do dia a dia. E você vê, quando você está envolvida, tudo fica mais gostoso. Então, o sexo por sexo é como se tivesse coisa muito superficial para mim também não dá, não rola. Meu companheiro, sempre, diz, ele sempre diz assim para mim: “Não é quantidade, é qualidade do sexo”. Ele diz que não é sexo, é amor, então realmente eu concordo com gênero, número e grau, nesse ponto, tudo flui melhor, as fantasias compartilhadas, a gente é companheiro e nas fantasias a gente se envolve, cai junto e depois dormir de conchinha, tem aquele momento de calmaria que a gente se abraça, se beija, diz coisas carinhosas um para o outro, é o cuidado, isso é que eu prezo. Eu acho que cheguei a um ponto na minha idade, na minha vida, que sexo por sexo, não rola. É uma coisa tão banal, na minha vida que não cabe mais.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


DENISE: Em relação à maternidade, vocês todas são mães a algum tempo. Teve alguma diferença para vocês no antes e o depois, em relação à sexualidade em si, a sexualidade de vocês enquanto mães, como é essa relação? Ou como ficou depois?


ÂNGELA: A maternidade para mim, eu cresci muito, amadureci com a maternidade, como é que eu quero dizer? Só que a sexualidade dentro da maternidade, valeu por algum tempo, mas depois da separação, nunca mais rolou sexo, e sexo por sexo, nêgas, eu tô fora, viu? Mas a maternidade me fez bem, me fez mulher, me fez amadurecer, me fez ver muitas coisas boas na vida. Eu costumo até dizer que ter um filho, deu nova cor à minha vida. E eu sou feliz com isso, mesmo parada no tempo, como eu estou, mas eu me considero uma mulher feliz, gente.


SAYAKA: Sayaka, falando. Eu estava pensando agora eu tenho 2 filhos. Uma com 30 agora e outro com 20, então a diferença de um para o outro é de 10 anos e de 2 relacionamentos diferentes. O que eu pensei agora? Pensar em sexualidade naquela época, eu muito jovem, logo que eu tive minha filha, eu parei, não pensava mais, eu pensava que também não ia fazer mais sexo, sabe? Porque era aquela fase de amamentação, de cuidados exclusivos com o bebê, aí a gente não pensa em outra coisa, é só cuidar do bebê, mal se cuidava porque a gente quando é mãe, é atenção 24 horas para o filho, então eu não pensava não. E para ter relação, nem pensar. Tanto na minha filha, como foi também no meu filho. Não pensava em ter relação, tanto é que eu até excluía, o pai do meu caçula, não queria nem dormir junto na cama, a cama quem tomou conta foi meu filho, fiquei totalmente afastada dele, não queria ele perto.


KELLY: Então, a sexo e a maternidade. No meu período de amamentação que é natural da mulher, ela perde bastante libido, o desejo sexual, e comigo não foi diferente, para mim, era muito difícil transar e não sentir um pingo de prazer e às vezes, por responsabilidade com o parceiro, tenho parceiro, pai da minha filha, ele tá aqui e a gente precisa se relacionar sexualmente, mas por precisar mesmo, desejo foi totalmente perdido. E aí vem o uso do anticoncepcional, eu optei pelo injetável e o anticoncepcional ele também traz essa mudança hormonal, mexe muito com o organismo da mulher e essa proteção, esse cuidar, esse ter os nossos que no caso da minha filhota, eu tirei do berço, coloquei na cama, aí que as coisas ficaram mais, digamos que rolou aí um afastamento. Porém, na época da gestação da minha filha, eu não pensava em estudar a sexualidade. Mas aí o meu parceiro foi me apresentando esse mundo do sex shop, imenso que possibilita muitas coisas, e ele foi me estimulando com os sex toys, que são os vibradorezinhos, de clitóris, principalmente para estimular ali, lubrificantes a base d'água, neutros que ajudavam no ato da penetração, e muito carinho, muita atenção, muito amor, por parte de ambos, porque eu me envolvi muito na época, o meu parceiro e então o pai da minha filha e o nosso relacionamento é muito, muito, muito carinho, de muita atenção e muito cuidado, de muito zelo e antes a gente nossa, o sexo era intenso, existia contínuo, constantemente e houve essa quebra e ele não permitiu que isso acontecesse durante muito tempo. Ficamos um tempo significativo, com essa questão da vontade, do desejo de não fazer, por minha parte, ele compreendeu, mas nunca desistiu de tentar e fez apresentando essas possibilidades, fui usando lubrificante, fui voltando a minha lubrificação natural. E assim conseguimos perpassar por esse momento e ali, com todo o cuidado, com todo amor, com todo o carinho para a nossa filha, também.


MÁRCIA: Olha, eu tenho 2 filhas, meu marido tinha uma grande diferença de idade de mim. Talvez por ele ter tido mais experiência, eu tive um pós-parto legal, ele foi assim bem intenso na minha vida. Eu tive as meninas, ele respeitou o tempo, aquele tempo que a gente tem de conhecer a criança, de se reconhecer de novo como mulher, mas ele também nunca deixou eu ficar, vamos dizer assim, sem me tocar, porque era visível que ele falava para mim que eu tinha um grande desejo. Para ele, era uma coisa assim, era normal. E ele me ajudou muito nessa parte e foi bem bacana e a nossa vida sexual até onde pôde deu certo por causa da idade dele, que depois ele teve câncer de próstata, ele tirou próstata, já não tinha mais a ereção e a gente já estava mais como irmãos, porque houve todo um percurso da doença dele, mas ele não morreu desse câncer, graças a Deus. Ele só não fazia nem quimioterapia nem radioterapia, mais assim, o estresse da doença. A gente tinha duas filhas, ele tinha mais filhos no primeiro casamento, então, rolou muito estresse quando ele ficou doente e a gente teve muito medo de perder ele, mas ele tinha aquela coisa de o homem que era provedor da casa, o homem que era cuidador da família. Não que eu vou dizer que ele não tentou me dominar, mas acho que ele nunca conseguiu. Então ele acabou convivendo bem com isso. E sexualmente tranquilo também. As meninas vieram, engravidei, e ele ficou muito feliz, foi uma coisa muito gostosa. A maternidade foi uma coisa muito gostosa na minha vida, e ele me ajudou muito porque ele era pai e mãe. Ele trocava a fralda, ele fazia uma mamadeira, ele dava banho, por eu não poder levantar da cama e ele ia lá ver se tinha febre, a criança dormia no meio da cama com a gente, que ele respeitava que eu não podia levantar, quando ficava doente, dormia com a gente, para eu poder ter o sentimento da maternidade, de poder cuidar. Hoje eu reconheço que ele foi a melhor pessoa que passou na minha vida. Até na área sexual, ele foi a melhor pessoa que passou na minha vida, porque ele me ajudou a entender muitas coisas dentro da minha cabeça, dos meus sentimentos e do meu corpo.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


DENISE: A gente sabe que nós, enquanto mulheres com deficiência, existem muitos tabus, sobretudo, com relação à maternidade e dentro de casa não é diferente, e em algumas casas isso é até maior, a família vê a pessoa, a mulher, sobretudo, a mulher com deficiência aquele ser assexuado, como foi para vocês com relação aos pais, principalmente?


MÁRCIA: Posso falar? Márcia falando. Então, pais, né? Eu fui criada com mãe, avó e tios. Meu pai eu fui conhecê-lo aos 29 anos. Foi bacana conhecer, deu para entender bem, porque eu sou tão estourada. O velho era terrível, super estouradão. E a mãe também, uma pessoa de não ter estudos, mas me criou com sacrifício, ajudou a mãe dela a criar os irmãos, minha avó ficou viúva cedo, por isso que eu fui criado pela minha avó enquanto ela trabalhava e ajudava a minha avó no sustento dos meninos, os meus tios. Ah, foi bacana, sabe? Em algum momento aí, uma das meninas comentou que sofreu abuso, não sei qual das meninas que foi e me remeteu a uma situação que eu também vivi. Nem tudo é flores na vida da gente, não é? A gente também sofre os abusos, o meu foi uma tentativa de relação sexual. minha mãe foi uma mulher muito enérgica na época. Duas vezes eu sofri essa situação e minha mãe conseguiu contornar toda essa situação com um louvor, dentro da vida dela, dentro dos conhecimentos dela, ela foi muito firme, incisiva e resolveu a situação. Não chegou a ter a consumação, mas gente, só a questão de você sentir que um homem te toca sem a sua permissão, é uma coisa bem complicada, não é? Então são algumas coisas que às vezes nos remete a um passado que não é lá muito agradável na vida da gente, mas também a gente tem que viver isso e lembrar porque isso faz parte da nossa história e saber que muitas mulheres com deficiência não tem, vamos dizer assim, a sorte de ter pais que inibem esse tipo de abuso de agressão sexual, de violência. Muitas a gente vê por aí, cada uma de nós carrega uma história de alguém que a gente já ouviu falar, ou alguém que já nos contou que às vezes foi o próprio pai que abusou da filha com deficiência, um tio, um parente, um vizinho, sempre são pessoas próximas. A gente sabe que a pessoa que a gente mais confia, que pratica esse ato, na menina, na mulher e tudo mais. E é complicado, viu? Quando você não tem uma família que realmente veste a camisa e te protege, essa pessoa, ela vai acarretar um trauma para o resto da vida, ela nunca vai se sentir amada, acolhida por nenhum relacionamento, porque você precisa ser amado e acolhido dentro da sua própria casa, dentro da sua própria família. Se não houver esse acolhimento é complicado, né? Então eu olho nisso como o fator mais importante.


KELLY: Minha mãe não chegou a falar de sexo comigo, sobre sexo, esa questão de prevenção, isso não foi falado em casa. Quando se passavam a cena na novela “Menina sai daí, fecha o olho”. A minha visão, eu perdi totalmente aos 14, então eu sentava bem dentro da televisão mesmo, bem próximo pra poder enxergar que ela é congênita, porém baixa visão até os 14. E aí quando se passava uma cena que tava lá pegando fogo, “Fecho o olho. Sai daí”,“Não senta no colo de ciclano, não pode. Não pode sentar”, “Porque mamãe?” “Porque não pode”, né. E isso não se era justificado. E aí quando a gente começa a se tocar, pegar no peitinho pegar na vagina, não pode tocar, “Não toca aí, menina, isso é pecado, não pode”, e não se explica o porquê. E aí, na fase da adolescência, os hormônios aflorados, a gente, claro, na escola, nossos primeiros paqueras, muitos deles advém da escola no momento estudantil e comigo não foi diferente, vivi essa experiência do primeiro namorado na escola, na escola especial,no caso no centro de apoio já depois de cega, mas já antes já estava interessada, lembro que meu primeiro paquerinha, eu tinha 10 anos. Amava aquela pessoa, de escrever cartas e tudo. E quando isso chega aos ouvidos da minha mãe, “Fora! Aqui, isso não pode, isso não tá certo. Você não tem idade para namorar, só aos 15, só aos 18 anos”. Se eles pudessem determinar os 30. É assim que acontece com a gente. E aí, a gente vai tentando viver a nossa, a nossa sexualidade sem informações muitas vezes, fazendo uso do sexo sem prevenção, engravidando na adolescência, muitas de nós, aí, trazendo para o contexto das mulheres cegas, engravidam precocemente na adolescência. E os dados trazem também que pela ausência de informação por parte da própria família e aí quando eles vão procurar os atendimentos médicos e ginecológicos, já estão entrando praticamente com o pré-natal. Enfim, faltam muitas informações.


SAYAKA: Sayaka falando. Eu tava ouvindo a fala da Márcia e de Kelly. Eu que passei o abuso, existe um bloqueio grande. No meu caso, não existia na minha infância e nem na minha adolescência acesso, acesso de diálogo, então o que dificultou muito. Até hoje o que eu passei quando criança, eu não consigo falar para minha mãe e olhe que eu já estou adulta, já tô com 51 anos, minha mãe está com 77, meu pai faleceu e eu não tive coragem de falar sobre o que eu passei, tamanha vergonha, Eu acho que diálogo é a chave de tudo e os pais serem acessíveis aos filhos, abrir esse diálogo. Minha mãe por muitos anos delegou a escola a questão da educação sexual. Pensava ela que a escola ia explicar tudo o que ela se isentava de explicações, porque realmente era tabu, ela é de outra cultura, ela é deficiente auditiva, bilateral, então para ela foi muito difícil está num país estranho, com dificuldade da linguagem, para ela foi difícil a questão de falar certos assuntos e eu vejo que passa a gerações, o tabu continua o mesmo, difícil você ver uma família, são poucas famílias que têm esse diálogo aberto com os filhos em relação a sexo, em relação a tantos assuntos que envolve a questão da homossexualidade, a questão da própria sexualidade em si. Então, é muito complicado. Acho que a chave de tudo é o diálogo mesmo. É os pais se sentirem um pouquinho, chegarem um pouquinho mais, numa linguagem mais afetuosa de acolhimento ao que Márcia falou, do acolhimento mesmo para a criança sentir confiança e segura a falar tudo. Sabe, isso tem que chegar. Porque quem passa por um abuso sabe o quanto é constrangedor. A gente se sente culpada e fica aquela culpa anos e anos e não sai. Então eu acho que a grande a grande chave é essa. É o próprio diálogo mesmo.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


JADE: Já que as mulheres estão falando sobre essa relação com a família e a discussão da sexualidade, para encerrar a roda de conversa, a Mara Andrade, lá do Pará, conta sobre como era na época da juventude dela.


MARA: Eu era uma pessoa que por ter sido criada assim muito dentro de casa, muito super protegida, quando eu me soltei, quando eu fiz a maioridade, que eu não tinha mais ninguém responsável legalmente por mim eu só queria zoar, só queria saber de rock roll, festa e tal, porque, afinal, cego também bebe. Então eu vivia assim e aí foi ficando cansativo, eu fui ficando mais quietinha e tal, e conheci um rapaz. A maioria das pessoas que eu fiquei, que eu tive algum relacionamento, enxergavam, até porque tem uma discussão aí que “ah, é cego só pode namorar cego, porque vão se entender melhor”, ou então há os que defendem que cego tem que namorar uma pessoa que enxergue que é para poder auxiliar. Então, isso não existe, não existe uma regra só para deixar assim, claro. Por quem você se apaixona ali, por quem rola ali um sentimento ou uma vontade de ficar mesmo, uma coisa casual, não tem aquela coisa de “ah e aí? É cego? Não é cego? Como que é?”


[VINHETA DA SÉRIE]


ALDENORA: É interessante ouvir as mulheres desta série compartilhando sobre suas experiências, porque isso me fez refletir sobre o quanto alguns grupos de pessoas marginalizadas - negras, com deficiência, de baixa renda, por exemplo - são literalmente jogadas a um local em que a sexualidade não lhes pertencem. Como se, por serem mulheres com deficiência, a vida fosse resumida a lidar apenas com a deficiência em si. O que nos leva às inúmeras estigmatizações associadas a essas pessoas, que são vistas como abre aspas assexuadas, fecha aspas, que é um termo incorreto para se referir a falta de atração sexual ou a falta de vida sexual de alguém. O termo assexuado é referente a seres vivos que se reproduzem sem a troca de gametas. Já pessoas assexuais são aquelas que não sentem ou têm pouca atração sexual por outras.


JADE: Além disso, as mulheres com deficiência são infantilizadas, ou seja, são colocadas como pessoas que abre aspas não possuem sexualidade fecha aspas. Vamos ouvir o que a sexóloga Kelly Araújo fala sobre alguns desses pontos.


KELLY: Nós, pessoas com deficiência, somos dotados pela sociedade como seres assexuados, que não temos o direito de viver a nossa sexualidade na plenitude, porque somos pessoas com deficiência, anjinhos, não podemos ser tocadas, não podemos ser desejadas. E aí entra uma questão capacitista, de violência sexual total, que a gente precisa quebrar esse hiper mito que não temos o direito de viver a nossa sexualidade ativa como ela precisa ser. O que vale ressaltar é que o fato de eu ser uma mulher com deficiência não me inibe de ser uma mulher sexuada ou sexual. Eu sou sexual desde que o mundo é mundo, porque o sexo ele é inerente ao ser humano, com e sem deficiência, LGBTQIA+ ou não, e assim sucessivamente. O sexo é sexo e o teu corpo busca por essa resposta, por esse ato em si.


JADE: Quem viveu na pele essa questão da infantilização das mulheres com deficiência, foi a Mara Andrade, que também afirma que isso é algo que gera muito incômodo.


MARA: Eu já passei muito por isso assim por ser vista como uma pessoa, uma criança inocente. Então, incomoda bastante. E eu vejo também por outro lado que assim a galera da comunidade cega, vamos dizer assim, os rapazes héteros e as moças, eles dependendo da forma que a mulher se comporta eles a hipersexualizam. Contextualizando, às vezes a menina, por exemplo, ficou ali com dois, três colegas, pessoas conhecidas dele e aí ele chega já achando que tá super de boa já que ela já ficou com Fulano, com Sicrano e tudo e tal, então custa nada e sendo que, enfim, não é bem assim, né? Mas eu já vi também esses casos. Ou então, de dizer assim: “Ah, Fulana não é pra namorar, porque ela já deu pra Fulano, Sicrano e tal, mas se quiser comer, vai lá”. Eu sempre fui contra isso.


[EFEITO DE TRANSIÇÃO]


ALDENORA: Se a sexualidade das mulheres com deficiência é vista assim, quando se toca na questão do afeto, né, dessa troca afetiva entre as pessoas, isso é algo ainda mais problemático. Aquela solidão que se fala muito que determinados grupos de mulheres vivem, infelizmente, se potencializa quando se trata de mulheres com deficiência. Quem conversa com a gente sobre isso, nesse finalzinho de episódio, é a Fatine Oliveira, que é feminista, ativista, autora do blog Disbuga, mestra em comunicação e que estuda afetos e mulheres com deficiência.


FATINE: Desde quando eu criei o blog, o Disbuga, eu vinha falando sempre dessa solidão, que é uma solidão única. Que a solidão da mulher com deficiência ela é algo que. em alguma medida, ela pode beirar a uma loucura de fato, porque a gente tá falando ali de uma negação de afeto completo, porque não é apenas, o não ter acesso ao afeto sexual, mas é não ter acesso ao afeto de amizade, muitas vezes, é não ter acesso a relacionamentos, seja ele de que forma for. Então, muitas vezes essa mulher, ela fica completamente sozinha. Então, por mais que ela tenha ali o apoio da família pra poder realizar uma ou outra coisa, existe essa necessidade do contato com o outro, do contato com pessoas diferentes, do contato para ter essa troca. Então, quando a gente pensa numa mulher com deficiência, ela experimenta, em alguma medida, uma solidão que, por vezes, pode ser enlouquecedora.


ALDENORA: A Fatine já participou aqui do Malamanhadas, no nosso episódio vinte e cinco, quando discutimos sobre mulheres com deficiência. Ela volta agora para falar sobre afeto. Mas antes, vai se autodescrever pra gente.


FATINE: Bom, eu sou uma mulher de pele parda, tenho o cabelo liso na altura dos ombros, meus olhos são castanhos, eu tô com uma camiseta cinza, com uma estampa colorida. Sou uma mulher com deficiência, sou cadeirante, utilizo cadeira de rodas. Deixa eu ver o quê mais poderia auxiliar, e estou usando um brinco agora, nesse momento.


ALDENORA: Obrigada, Fatine! Essa solidão que a Fatine fala, contempla todas as relações afetivas, de modo geral. E ela explica pra gente porquê.


FATINE: Porque é uma solidão de uma negação total. E é uma negação que ela não é apenas sexual, é uma negação de amizade, é uma negação de um relacionamento, por mais que seja um relacionamento casual, é uma negação dessa simples troca de poder conversar alguma coisa, de poder realizar alguma troca e também a negação desse sexo, dessa oportunidade de tá ali com o outro e dar e receber prazer, porque ele simplesmente não acontece. É claro que algumas mulheres com deficiência podem ter experimentado esse tipo de afeto, enfim, nós temos, de fato, alguns casos de mulheres que foram muito bem sucedidas nesse ponto. Mas como eu não estou falando apenas de mim, eu tô falando de pessoas que são diferentes de mim e que vivenciam outras coisas, eu tenho que falar disso também e eu tenho que falar dessa ausência, porque essa solidão é uma solidão que deprime, porque eu tô falando de uma mulher que, muitas vezes nunca, nunca na vida dela teve a oportunidade de ser amada por alguém.


ALDENORA: Um ponto importante nesse contexto é o silenciamento, ou seja, a ausência dessa discussão nos espaços em que se trata de afetividades de mulheres diversas.


FATINE: E a gente não fala disso, eu não vejo essa discussão, quando nós vamos falar da solidão da mulher de um modo geral. Isso não é debatido. Então, fica sempre aquela questão assim: "Olha, você está falando de mulheres, mas você está deixando de falar de outras mulheres que passam por esse tipo de situação e que permanecem passando. Quando é que a gente vai começar a falar de mulheres com deficiência? Quando é que nós iremos começar a falar da solidão das mulheres com deficiência? Sabe? É esse o ponto.


[VINHETA DA SÉRIE]


JADE: Neste episódio ouvimos as histórias que envolvem afetos e sexualidade na vida das protagonistas desta série. Também refletimos sobre o local em que as mulheres com deficiência são colocadas quando se trata deste assunto. No próximo, vamos falar sobre aborto e nos aprofundar na luta dessas mulheres por direitos básicos.


[VINHETA DA SÉRIE]


ALDENORA: Esperamos você no próximo episódio desta série que ficará disponível na segunda-feira, dia 20 de junho. Assine nosso feed para receber a notificação de lançamento e se você quiser acessar as referências que usamos aqui, elas estão disponíveis junto com a transcrição dos roteiros no nosso site: www.malamanhadas.com ou na bio das nossas redes sociais @malamanhadas, onde você também encontra o link facilitado para os vídeos em libras.


[VINHETA DA SÉRIE]


ALDENORA: A Série Justiça Reprodutiva faz parte da Campanha Nem Presa, Nem Morta, que luta pela descriminalização do aborto no Brasil, sob o selo do Futuro do Cuidado - justiça reprodutiva em tempos de pandemia e é realizada pelo Malamanhadas Podcast, sob Mentoria da Revista AzMina.


[VINHETA DA SÉRIE]


JADE: Agradecemos a consultoria para conteúdos acessíveis feita por Denise Santos, o trabalho de tradução em libras, de Vitória Ribeiro e as decupagens das entrevistas feitas pela equipe do Ôxe Normalize. Eu sou Jade Araújo, locutora deste podcast, também responsável pela identidade sonora, técnica de audiovisual, montagem e edição dos áudios. A Aldenora Cavalcante é a coordenadora do projeto, locutora e roteirista.


[VINHETA DA SÉRIE]


ALDENORA: A Ananda Omati é coordenadora do projeto, roteirista, e responsável pela identidade sonora, montagem e edição dos áudios. A Jhoária Carneiro é assistente de produção. A equipe de pesquisa é composta por mim, Aldenora Cavalcante e a Ananda Omati. A identidade visual é do Moura Alves. Agradecemos a todas, todos e todes e até a próxima.


[VINHETA DA SÉRIE]


FIM DE EPISÓDIO





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