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  • Foto do escritorEquipe Malamanhadas

Zodíaco


Minha relação com astrologia começou aos cinco anos, quando aprendi a ler. Treinava leitura de horóscopos, lia os signos de todos na casa, e acreditava naquelas previsões de como seria o dia ou qual cor usar. Minha avó, libriana, adorava que eu lesse o horóscopo para ela. Cresci um pouco mais, mas a curiosidade sobre o que as estrelas têm a dizer não me abandonou. Aos onze anos, eu calculava ascendentes das minhas amigas e um pouco mais tarde, as sinastrias amorosas.

A astrologia é uma forma de conhecimento (nunca quis se arvorar como ciência, é preciso entender esta distinção*) milenar, que auxiliou a nossa noção de contagem do tempo e contribuiu incrivelmente para a astronomia. O zodíaco mais conhecido hoje, de doze signos astrológicos, foi popularizado pelos gregos, baseado em crenças egípcias, caldeias e babilônicas. Mas a maioria dos povos antigos consultava os astros para aprender sobre o destino, inclusive maias, astecas e incas.

As histórias arquetípicas de como surgiram as constelações dos signos também são alegorias muito belas e inspiradoras. O meu, sagitário, vem de Quirão, o mais sábio centauro (metade homem metade cavalo, conhecidos pela impetuosidade e selvageria, mas também pelo gosto por ciências e misticismo, eles mesmos muito versados em oráculos estrelares**), mentor de muitos heróis, dentre eles, Hércules. Era também professor de medicina, ginástica e astronomia. Por acidente, durante um treino, Hércules acertou uma flecha no ombro de Quirão, que era imortal e, após buscar todos os tratamentos possíveis, não conseguiu livrar-se da dor. Em agonia, pediu a Zeus (Júpiter, planeta-patrono de sagitário) que o matasse. O deus, então, transformou o sábio na constelação de sagitário. Quirão lutou para ser livre, feliz e não sentir dor, nem que isso lhe custasse muito sacrifício. Esta história é inspiração para minha luta com meus demônios diários.

Falando em arquétipos, o sociólogo Theodore Adorno tem um ensaio, As Estrelas Descem à Terra (The stars Down to Earth, no original), em que debate as reações de pessoas nos EUA ao lidarem com horóscopos do jornal Los Angeles Times. Apesar de eu desconfiar dos rigores metodológicos de previsões diárias, às quais o próprio autor se refere como “misticismo de segunda mão”, (astrologia não é ciência mas também não é uma bagunça aleatória e sem método, ok?), o livro é bem interessante porque demonstra as pessoas em busca de auto conhecimento de maneira acessível e popular, o que parece horrorizar tantas pessoas adeptas da ciência (em especial da medicina branca masculina e nas pompas de racionalidade) como única via legítima de compreensão do ser humano.

De testes de revista a perfis psicológicos, muitas pessoas buscam autoconhecimento, e não sou diferente. Tudo o que me permita saber melhor quem sou, considero válido e bem-vindo. Essa é minha relação com o zodíaco: sagitário, meu signo solar, explica, sim, alguns traços da minha personalidade alegre. Outros, como a rebeldia, são do meu ascendente, aquário. Meu lado type A bossy bitch e todo nervosismo e ansiedade que ele ocasiona, claro, vêm de minha lua em virgem. Minha honestidade e ausência de rodeios nos relacionamentos amorosos mais uma vez é sagitariana, dessa vez do vênus. Meu gosto por mistérios de todos os tipos é do meio-de-céu em escorpião. Isso ajudou muito a compreender as variações e ritmos do meu espírito, inclusive em relação a aceitação da minha humanidade.

Não significa que estas coisas vão me definir e limitar minha personalidade. Mas a astrologia ajuda, e muito, no reconhecimento de pontos positivos e negativos do modo de ser, algo fundamental para a construção de uma autoestima saudável. E se algo assim é instrumento para aprimorar a convivência com outras pessoas, nossa, que seja usado.

Não por acaso mulheres, muito mais do que homens, recorrem à astrologia e outros oráculos para compreenderem melhor a si e as pessoas que as rodeiam. Isto tem muito a ver com a nossa forma de socialização, de todo o cuidado e observação que somos obrigadas a realizar para segurarmos as pontas e sermos mediadoras (comportamento esperado pelo patriarcado): e o fazemos, mas do nosso jeito pagão e intuitivo. Resistimos com a magia da compreensão.

Por isso dispomos mais dos saberes oraculares, tidos como primitivos e desprezíveis, mesmo porque são pagãos. Mas a título de curiosidade: antropologicamente, qualquer oração é uma invocação mágica (não só a invocação do corpo de Cristo em forma de cordeiro para tirar os pecados do mundo e ter piedade de nós), e objetos como terços e crucifixos são totens religiosos. Apenas há hegemonia do cristianismo que se considera acima de religiões mais antigas, e tenta negar suas fontes primevas.

E então aqui estou, contra qualquer racionalidade fazendo mapas para meus amigos e escrevendo sinastrias, na maioria das vezes por diversão, mas também encantada por ser descendente de estrelas. Em algum lugar dentro de mim ainda creio que somos todos um pouco estrelas, planetas, galáxias. Somos universo, complexo e com uma infinitude de possibilidades.


*nem toda forma de conhecer e inteligir o mundo segue métodos científicos: as lendas transmitidas pela a oralidade, o conhecimento sobre plantas passado da sua avó para você e o aprendizado de uma receita ou costura são modos de partilhar conhecimento, embora não sejam científicos

**Quem lembrou de Firenze, centauro bonitão professor de Divinação em Harry Potter? Pois é, esta representação do centauro como versado em magia é muito popular =)



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