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  • Foto do escritorMalamanhadas

Diário de quarentena


Minha querida amiga,


Essa é a primeira vez que te escrevo e eu não sei exatamente se essa carta vai chegar por aí. As decisões governamentais estão sendo tomadas muito rapidamente por cada país, as fronteiras estão fechando, os voos cancelando e meu coração está aqui na minha mão. Mas se chegar, provavelmente a situação também já deve estar se agravando nesse outro lado do oceano.

Eu deveria explicar melhor o motivo pelo qual comecei a ti escrever, assim, de uma hora para outra. Mas em tempos de quarentena, não temos muito tempo para rodeios. Então fica aqui uma promessa: a carta de explicação vai vir também.

Em dias de sol lá fora, tento aqui dentro sobreviver a mim mesma. Ocupo meu tempo com as leituras da minha meta anual, mas as horas passam com a sensação de aflição, empurradas goela abaixo, com força, como quem diz: aguenta, menina, é o que temos para hoje e para os próximos tempos também.

Não sei ao certo quando comecei de fato essa quarentena, esse isolamento social tão aclamado como medida de segurança. Nos primeiros dias, lembrei de Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago. Uma epidemia se espalhando pelo mundo. A cegueira. O desespero. O egoísmo. O medo. Eu sinto muito medo ao longo das horas. E meus sentimentos oscilam muito. Depois do medo, o estado de emergência trouxe outra carrada de incertezas. As fronteiras fechadas, a sensação de exílio.

Sabe, a gente não tem muita ideia do que estar por vir. E eu não consigo parar de ler as notícias das capitais. Acordo. Olho as notícias. Preparo o meu café. Volto para elas. Escuto Belchior, pego uma taça de vinho, preparo o almoço. E contabilizo mais alguns casos positivos de pandemia pelo mundo. Até o dia que surtei. Chorei, chorei, chorei. Sozinha, frágil. Exilada. Resolvi me afastar um pouco do mundo, voltei os olhares para outras histórias que ando lendo – os livros da meta anual, os livros! Consegui me acalmar.

O caos anda se multiplicando, menina. É meio apocalíptico, cena de filme de fim do mundo. A gente precisa se agarrar aos nossos para resistir. Mas os abraços e encontros afetivos também foram proibidos. Os bares, restaurantes, shoppings, estão fechados. As ruas estão vazias. É o anúncio de uma nova era que não sabemos exatamente qual.

Minha menina, se realmente essa carta pousar em tuas mãos, espero que ela te encontre bem. Que essa carta chegue a você antes da pandemia chegar na cidade. Meu lado emocional não anda lá essas coisas, assim penso que o seu também não. Mas vou continuar agarrada nas palavras para poder não sucumbir. Manda lembranças para a vó. Se cuidem. Lavem as mãos. Eu volto a te escrever, minha menina.


Com amor, passarinha.

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