Pássaros cantantes e fios elétricos.
Gaiolas vazias: fuga inevitável.
Há sempre um instante mágico
Em que o mundo se funde à existência
E os relógios cantam um novo tempo.
Olhar os pássaros,
Jogar as sementes,
Chacoalhar os ramos como vitória.
Olhar a Deus como se para viver
Só fosse necessário isso.
Olhar o mundo: sentir o mundo.
Caminhar indiferente o caminho de todos,
Ter pés no chão e sentir e chão:
Duro, estático, firme e abastado.
Observar Deus.
Estar exposto ao ridículo como um
Intrigante palhaço solitário que manobra
Facas e bolinhas coloridas no sinal.
Estar entregue à tristeza como
Quem perdeu alguém no hospital.
Estar morto como quem cumpriu o dever
De existir e se foi - pra nunca mais.
Estar feliz como quem diz: estou feliz!
Círculo fechado.
Deus parado nos olhando.
Deus vendo e dando asas ao acaso;
Apagando o improvável,
Desenhando o mundo.
Enchendo de perfume uma exigência
Que hora é pomposa, hora é banal.
Mulher que masca chicletes,
Que come maçãs,
Que prepara o arroz e que veste uma máscara.
Mulher que grita, que vomita para fora o seu eu.
A mulher que sente nas costas o peso da mão.
A mulher que observa Deus.
E na contramão caminha o caminho,
Fazendo desvio de faróis perdidos/apagados.
Na contramão mastiga o acaso que perdeu o gosto: Velha, menina, freira, mendiga, vadia, vendida, mãe, Maria, louca: JULGADA.
Uma mulher que observa Deus, sentada,
De coração ferido, de vida estragada - numa condução que a leva ao nada.
Uma mulher que levanta.
Uma mulher com asas.
Uma mulher que observa Deus
E enxerga a si mesma.
Haia Saer
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