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  • Foto do escritorMalamanhadas

A mulher que observava Deus



Pássaros cantantes e fios elétricos. Gaiolas vazias: fuga inevitável. Há sempre um instante mágico Em que o mundo se funde à existência E os relógios cantam um novo tempo. Olhar os pássaros, Jogar as sementes, Chacoalhar os ramos como vitória. Olhar a Deus como se para viver Só fosse necessário isso. Olhar o mundo: sentir o mundo. Caminhar indiferente o caminho de todos, Ter pés no chão e sentir e chão: Duro, estático, firme e abastado. Observar Deus. Estar exposto ao ridículo como um Intrigante palhaço solitário que manobra Facas e bolinhas coloridas no sinal. Estar entregue à tristeza como Quem perdeu alguém no hospital. Estar morto como quem cumpriu o dever De existir e se foi - pra nunca mais. Estar feliz como quem diz: estou feliz! Círculo fechado. Deus parado nos olhando. Deus vendo e dando asas ao acaso; Apagando o improvável, Desenhando o mundo. Enchendo de perfume uma exigência Que hora é pomposa, hora é banal. Mulher que masca chicletes, Que come maçãs, Que prepara o arroz e que veste uma máscara. Mulher que grita, que vomita para fora o seu eu. A mulher que sente nas costas o peso da mão. A mulher que observa Deus. E na contramão caminha o caminho, Fazendo desvio de faróis perdidos/apagados. Na contramão mastiga o acaso que perdeu o gosto: Velha, menina, freira, mendiga, vadia, vendida, mãe, Maria, louca: JULGADA. Uma mulher que observa Deus, sentada, De coração ferido, de vida estragada - numa condução que a leva ao nada. Uma mulher que levanta. Uma mulher com asas. Uma mulher que observa Deus E enxerga a si mesma.

Haia Saer




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