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  • Foto do escritorMalamanhadas

100 meses depois do mundo acabar

‘’-O quanto isso te marcou?

...

- Como se mede uma raiz?’’


Antes que tudo se acabe como um todo eu preciso contar pra alguém, então pelo menos essa história, semeio nesse vento.


Numa data depois que o mundo acabou, mas ainda antes do mundo começar... era tal vez um menino, vagando sozinha no meio do tempo. As costelas a bem mostra, pernas já bambas de tanto andar. E precisava se nutrir. De fato ninguém saberia dizer naquela época para onde a criança andava e o que tanto buscava fazer. Na verdade ninguém nem mesmo sabia que estava ali. O fato era que a criança precisava se nutrir.


Andou sob sol e chuva até quando finalmente vislumbrou a fonte do que seria sua salvação. Era aquela árvore pequenininha que parecia até vir correndo na sua direção, na medida em que corria de volta. Chegou ofegando na frente do tronco debaixo da sombra e olhou a árvore de cima abaixo. Não era assim tão grande. Não era assim tão velha, mas deveria já ter dado algum fruto. Seus olhinhos curiosos passeavam no meio das folhas, até que viu.

A fruta. Um fruto tão cheio de suco de vida, em que o pegou em suas mãozinhas e pensou que tinha sido ele mesmo quem o fez. "Com meus dedos, minhas palavras, memórias, sensações, o cansaço das minhas pernas". Não havia mais árvore. Não havia mais mundo. Aquele único fruto azul esverdeado, de azul tão bonito e tão brilhante que não haveria nem palavras que desse conta de nomeá-lo, "ele brotou brotou dos meus dedos," e falou o menino em voz alta e pensando no tanto que queria alguém a estar com ele e que se deslumbrasse com a sua capacidade de produzir histórias e frutos tão lindos e tão reais. O menino chorou com a fruto azul na mão. Pensou num mundo em que recolheria seus louros, e colocaria sua fruta para sempre em conserva, e viveria de sua glória até o fim dos tempos. Foi quando num estalo animal, lhe veio a força de mil homens adultos dentro da pele. E debandou a correr com o fruto na mão. E corria, pelos montes, pelas calçadas, pelos mapas todinhos, já não precisava nem mais comer, não precisava beber, não precisava mais se nutrir. Só precisava encontrar alguém com quem dividir a glória da descoberta. Ver a raridade que tinha brotado da sua mão.


Correu pra sempre, até que o perdi mesmo de vista. Se conseguiu, não sei, não posso te dizer.


Sei que fiquei. Pés firmes e leais ao chão.


E nisso eu, mãe árvore, bicho folha enganado, chorei baixo, conformada e silente, mas em parte orgulhosa de ver meu filho fruto ganhar a simpatia dos homens. E isso já faz um bom tempo, até pra um bicho árvore.


Me despeço devagar deste mundo, e definho por que sem que soubesse, sem mesmo que de fato quisesse, tinha deixado levarem embora meu único fruto estéril, mas de toda vida.



Texto escrito por Deborah Falconete.

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